Thunderbolts*
A HISTÓRIA: A Marvel Studios reúne uma equipa irreverente de anti-heróis - Yelena Belova, Bucky Barnes, Red Guardian, Ghost, Taskmaster e John Walker. Depois de se verem enredados numa armadilha mortal montada por Valentina Allegra de Fontaine, estes desiludidos desistentes têm de embarcar numa perigosa missão que os obrigará a confrontar os cantos mais negros dos seus passados. Será que este grupo de inadaptados se vai destruir ou encontrar a redenção e unir-se como algo mais antes que seja demasiado tarde?
"Thunderbolts*": nos cinemas desde 30 de abril.
Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
"Thunderbolts*" é o mais recente capítulo do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, pela sigla original) e chega aos cinemas pelas mãos do realizador Jake Schreier ("Cidade de Papel"), com argumento assinado por Eric Pearson ("Viúva Negra") e Joanna Calo ("The Bear").
Num momento em que o MCU se vê assoberbado por um oceano infindável de personagens, linhas narrativas, variantes e conceitos multiversais, a esperança numa obra protagonizada por anti-heróis surge como um potencial antídoto para a inconsistência pós-"Vingadores: Endgame". Pessoalmente, a "Multiverse Saga" tem sido uma viagem maioritariamente positiva - com altos como "Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis", "Homem-Aranha: Sem Volta a Casa" ou "Deadpool & Wolverine" - mas é inegável que a sobrecarga de histórias, aliada ao problema externo com o ator Jonathan Majors, intérprete de Kang, que obrigou a uma mudança drástica de rumo, criou uma certa fragmentação desapontante.
É por tudo isto que "Thunderbolts*" chega na altura ideal. Esta ousada incursão no território dos anti-heróis reúne um elenco recheado de talento e carisma: Florence Pugh ("Todo o Tempo Que Temos"), David Harbour ("Stranger Things"), Wyatt Russell ("Operação Overlord"), Sebastian Stan ("The Apprentice - A História de Trump"), Olga Kurylenko ("Esquecido"), Hannah John-Kamen ("Homem-Formiga e a Vespa") e Julia Louis-Dreyfus ("Veep") regressam às respetivas personagens, agora com mais tempo de ecrã, conflito interno e, acima de tudo, profundidade.

Desde o anúncio de "Thunderbolts*" que observávamos um potencial narrativo tremendo, caso a obra dedicasse o seu enredo e foco temático a ser anti-fórmula. Estávamos longe de pensar que Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, e companhia iriam, de facto, apostar nesse risco narrativo, juntando uma equipa não por conveniência argumentativa ou como desfile de efeitos visuais explosivos, mas para um estudo intimista sobre depressão, trauma e a necessidade vital de conexão humana para ultrapassar obstáculos internos.
Apesar da presença de sequências de ação dignas de menção e elogios – talvez até das mais memoráveis do MCU em termos de coreografia e execução visual desde "Shang-Chi" - "Thunderbolts*" distingue-se do restante leque da saga pelo seu foco intenso no interior dos seus protagonistas: os espectadores deparam-se com uma narrativa cuja construção assenta em pilares de feridas emocionais.
Cada personagem traz consigo um passado marcado por decisões morais questionáveis, arrependimentos e cicatrizes invisíveis. Em vez de omitir ou superficializar estes momentos, o realizador coloca-os no centro da ação. Em longos diálogos carregados de emoção, tensão e empatia, os membros da equipa revelam as suas vulnerabilidades, os seus medos e a dificuldade em lidar com dores nunca antes processadas. Não se trata de redenção simples ou de absolvição artificial - trata-se de aceitar que, por vezes, sobreviver é já uma forma de heroísmo. O argumento surpreende pela maturidade com que aborda temas sensíveis como depressão, isolamento e busca desesperada por propósito.

A personagem de Yelena Belova, interpretada de forma soberba por Pugh, é o coração pulsante do filme. Desde a sua introdução em "Viúva Negra", Pugh tem sido uma das caras principais mais consistentes da saga, mas aqui atinge novos patamares. A complexidade de Yelena é explorada com um cuidado extraordinário: uma mulher em conflito, tanto com o mundo como consigo mesma, que procura sentido para o sofrimento que transporta. A atriz oferece uma prestação arrebatadora, simultaneamente contida e emocionalmente poderosa, capaz de quebrar o silêncio da sala apenas com um simples olhar.
Ao seu lado, Harbour brilha como Alexei Shostakov / Red Guardian. A sua veia cómica encontra-se em plena forma, arrancando gargalhadas em quase todas as cenas, mas não se limita a servir de alívio cómico. Pelo contrário, protagoniza com Yelena um dos momentos mais comoventes e significativos da obra - um diálogo profundamente honesto sobre perda, família, paternidade e amor não verbalizado. O ator demonstra uma versatilidade impressionante, equilibrando humor e emoção com uma naturalidade desarmante.

O restante elenco está igualmente inspirado. Russell, como John Walker, oferece uma leitura mais auto-reflexiva da sua personagem, enquanto Stan (Bucky Barnes) continua a desenvolver o seu arco de redenção com a melancolia que o tornou tão cativante. Louis-Dreyfus, como Valentina Allegra de Fontaine, deixa de ser apenas a enigmática figura nos bastidores e revela-se uma mulher marcada pelas mesmas dores que os recrutas que lidera - uma revelação surpreendente que enriquece o filme e alinha a sua figura de autoridade com o tom geral de introspeção. Já Lewis Pullman ("Top Gun: Maverick") interpreta Bob / Sentry / Void, o antagonista principal cujo arco se encontra inerentemente ligado ao centro do enredo, assim como às restantes personagens, pelo que preferimos guardar o seu desenvolvimento para os leitores desfrutarem no grande ecrã. Apenas referir que a forma como o argumento usa cada uma destas personas para representar estados emocionais e ligá-las ao tema central da obra é absolutamente fascinante.

Um aspeto técnico que realmente eleva "Thunderbolts*" acima da média é a sua estrutura refrescante. Ao contrário do típico "blockbuster" do género, onde o clímax se concentra nos confrontos explosivos - normalmente no terceiro ato - aqui são os momentos de interação, as conversas cruas e os olhares entre personagens que causam o tal impacto duradouro. Schreier aposta até em planos longos, ângulos criativos e composições que sublinham a solidão dos protagonistas, mesmo quando rodeados de aliados.
Não que a ação seja descurada, bem pelo contrário. As cenas de combate corpo-a-corpo são energéticas, bem coreografadas e filmadas com uma clareza que tem faltado a muitas produções recentes. Existe uma fisicalidade palpável nos confrontos e uma sensação de consequência real, o que contribui para aumentar o envolvimento geral dos espectadores. A banda sonora de Son Lux ("Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo") destaca-se pelas suas referências subtis a temas clássicos do MCU e pela capacidade de amplificar o estado emocional das personagens sem se sobrepor à narrativa.

Outro pormenor narrativo que merece destaque é a forma como a obra trabalha o conceito de "equipa". A química entre os membros de "Thunderbolts*" é tão forte que chega a ser nostálgica, relembrando os tempos áureos dos Vingadores. A dinâmica é credível, orgânica e cheia de nuances - há rivalidade, cumplicidade, ressentimento e respeito mútuo. Sente-se que estas personagens passaram por algo juntas e que, apesar das diferenças, encontraram um estranho tipo de família nos braços uns dos outros.
Também vale a pena sublinhar o ritmo envolvente do filme. O equilíbrio entre ação e desenvolvimento temático é tão bem medido que as pouco mais de duas horas de duração passam a voar. Numa altura em que o debate sobre a saturação do género é quase inevitável, encontrar um exemplo capaz de prender desta forma é uma raridade preciosa.
Finalmente, até no que toca ao campo do universo partilhado, "Thunderbolts*" consegue surpreender com duas cenas pós-créditos - sendo a última particularmente importante para o que está por vir - que muitos títulos anteriores falharam em alcançar: uma conexão clara e entusiasmante com o futuro do MCU. É, talvez, a componente estrutural mais formulaica do filme... e isto é um dos maiores elogios que podemos oferecer a uma das obras mais marcantes até agora de 2025.

Conclusão
"Thunderbolts*" é uma excelente obra de super-heróis precisamente por se focar num estudo profundo sobre a fragilidade humana. A priorização dos dilemas internos dos protagonistas quebrados em detrimento da dependência exclusiva do espetáculo audiovisual revela uma maturidade rara numa saga tantas vezes criticada por sacrificar tudo em prol de escala genérica. Esta abordagem fascinante permite ao elenco brilhar intensamente, sendo que Florence Pugh consolida-se como um dos pilares emocionais mais sólidos do MCU. Ao explorar com honestidade e sensibilidade temas como depressão, luto, abandono e reconexão, Jake Schreier transforma o "blockbuster" numa reflexão comovente sobre propósito comum e o significado de viver com feridas abertas. Numa paisagem saturada de fórmulas repetidas, eis que o mesmo estúdio entrega algo corajosamente humano, fazendo desta obra que encerra a Fase Cinco não só uma das maiores surpresas do ano, mas também um dos títulos mais emocionalmente envolventes de todo o Universo Cinematográfico.
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