Eels no Coliseu de Lisboa: Um regresso com muito rock e poucas neuroses

20 set 2010 00:00

Este artigo tem mais de 13 anos

Longe da melancolia através da qual se distinguiram, foi com muito rock no sangue que os Eels regressaram ontem a Portugal. E ao longo de hora e meia não faltaram momentos fervilhantes, mesmo que tenham ficado de fora algumas das melhores canções do projecto norte-americano.

Os Eels não são uma banda normal. Aliás, nem são propriamente uma banda, antes o projecto de Mark Everett, ou E, que nos discos e em palco vai convocando alguns músicos com quem partilha canções não só, mas frequentemente, sobre essa fuga da norma.

E se durante grande parte das sua discografia - ou seja, durante quase quinze anos - as suas reflexões foram acompanhadas por música ora macambúzia ora poppy (ou as duas ao mesmo tempo), a noite de ontem apresentou um cenário algo inesperado.

É certo que o rock e o blues tiveram presença forte em alguns álbuns dos Eels (sobretudo "Souljacker", de 2001, e "Hombre Lobo: 12 Songs of Desire", de 2009), mas tendo em conta a considerável tranquilidade dos seus últimos discos (como o muito recente "Tomorrow Morning") dificilmente se esperaria um concerto de alta voltagem, com sucessões de riffs e demais rajadas sónicas.

O início, com "Grace Kelly Blues" (após uma introdução ao som de "When You Wish Upon a Star"), foi dos episódios mais serenos de uma actuação que, ao longo de hora e meia, colocou o pé no acelerador para saltitar entre originais e algumas versões (transformando clássicos como "Summertime" ou "Summer in the City" em desvarios roqueiros).

Mr. E, com longa barba, óculos de sol e lenço na cabeça, não podia ter estado mais longe da figura frágil a que surge habitualmente associado (mesmo que este look não seja novidade). Os quatro músicos que o acompanharam, de fato e gravata e também óculos de sol, alargaram a atitude cool e algo old school, devidamente complementada por uma química inegável (a rodagem em palco também já é forte, até porque este foi o último concerto da digressão europeia).

Directos ao assunto, nunca se preocuparam em falar muito com o público, parecendo mais interessados em disparar o maior número de canções possível (e foram mais de duas dezenas). A excepção foi o momento, já na recta final da actuação, em que Mr. E apresentou a banda. Com uma boa disposição evidente, deu especial atenção ao baterista, Knuckles ("um amigo com que posso sempre contar", revelou), e foi esse músico o protagonista (até na voz) de "Talking 'Bout Knuckles", um dos temas mais frenéticos e aplaudidos da noite.

Até aí, o concerto convenceu nas nem sempre foi tão celebrado. A primeira metade começou mesmo a perder algum fôlego, devidamente ganho com o estupendo "Fresh Blood", onde os uivos de Mr. E foram a cereja em cima do bolo numa canção com tanto de sedutor como de visceral. "Dog Faced Boy" ou "Souljacker, Pt 1", quase tão intensos, provaram que os Eels vestem bem as peles rocker, e "Mr. E's Beautiful Blues" e "I Like Birds", canções descaradamente pop em disco, surgiram quase irreconhecíveis em versões abrasivas.

Pelo meio, alguns curiosos momentos de descompressão (como as singelas "That Look You Give That Guy" ou "Spectacular Girl") lembraram que quem estava em palco eram mesmo os Eels e não uma parceria entre os ZZ Top e os Jon Spencer Blues Explosion. Mas ainda assim faltaram canções que mostrassem Mr. E no seu melhor e elevassem o concerto acima de uma experiência (apenas) divertida e escorreita. E faltou sobretudo um encore mais longo e mais criterioso - "I Like The Way This Is Going" e "Oh So Lovely", não sendo más canções, estão a milhas de pérolas (aqui ignoradas) como "Last Stop: This Town", "Bus Stop Boxer" ou, claro, o clássico "Novocaine for the Soul" (entre tantas outras).
Depois de nove anos fora de palcos portugueses, esperava-se talvez um pouco mais deste regresso que, não sendo o melhor, teve pelo menos o mérito de ser diferente. E nesse aspecto, essa ousadia (especialmente louvável num projecto já longo) fez por merecer os muitos aplausos.

Texto @Gonçalo Sá

Fotos @Graziela Costa

Alinhamento do concerto:

1. Grace Kelly Blues
2. Little Bird
3. End Times
4. Prizefighter
5. She Said Yeah (dos Rolling Stones)
6. Gone Man
7. Summer In The City (dos The Lovin' Spoonful)
8. Tremendous Dynamite
9. In My Dreams
10. In My Younger Days
11. Paradise Blues
12. Jungle Telegraph
13. My Beloved Monster
14. Spectacular Girl
15. Fresh Blood
16. Dog Faced Boy
17. That Look You Give That Guy
18. Souljacker Part I
19. Talkin 'Bout Knuckles
20. Mr. E's Beautiful Blues
21. I Like Birds
22. Summertime (de George Gershwin)
23. Looking Up