“Terra Livre” é editado esta sexta-feira e começa a ser apresentado nos palcos portugueses em fevereiro.
O álbum é constituído por nove temas instrumentais interpretados pelas duas violas, uma “música contemporânea com inspiração tradicional”, como disse à agência Lusa o músico João Morais, mais conhecido como O Gajo.
Todos os temas foram compostos em parceria.
“Eu costumo dizer que é música contemporânea de inspiração tradicional, apenas porque há coisas que estão no nosso subconsciente, e a viola por ter aquelas cordas duplas também nos transporta para uns tempos mais antigos”. “Sem dúvida é música contemporânea, não tem qualquer estrutura ou formato tradicional, isso não tem”, acrescentou o músico português.
“Este disco aparece quase do nada”, disse O Gajo, que trabalhou no álbum, ao longo dos últimos seis meses, com Ricardo Vignini, que tinha conhecido nas redes sociais.
Anteriormente, Ricardo Vignini tinha colaborado com O Gajo no seu álbum “Não Lugar” (2023) - com a música “Jangada” -, ponto de partida dos dois músicos para trocarem ideias e explorarem musicalidades.
“Sentimos que tínhamos muita coisa em comum, sentimos que devíamos explorar um pouco mais esta relação entre as duas violas [a campaniça e a caipira] e fomos trocando 'emails' através do Atlântico”. Um diálogo que prosseguiu até ao ponto de terem material para gravar um disco “bem gravadinho”.
"Terra Livre" é constituído por nove temas todos de autorias de ambos os músicos. “Uma autoria a meias, pois se eu tinha uma ideia logo surgia outra a ele, e não valia a pena fazer continhas. Assumimos os dois tudo.”
O Gajo assinalou que o que têm em comum não é só a nível da música que fazem, “mas também da personalidade.”
Os dois músicos já se conheceram pessoalmente. O Gajo viajou até ao Brasil, para fazer alguns concertos “e, como estivemos juntos pela primeira vez, percebemos que somos iguais em muitas coisas. Nomeadamente na forma como trabalhamos, que é bastante intensa.”
Para O Gajo “esta é uma dupla que tem caminho para percorrer.”
À Lusa, O Gajo, que provém dos universos do punk e do rock, garantiu a sua devoção e interesse à viola campaniça, cordofone tradicional alentejano.
Como guitarrista, as suas visitas regulares ao Festival Músicas do Mundo, em Sines, levaram-no a ficar “fascinado” por um som identitário, que remete para um país ou região, e surgiu a ideia da viola campaniça.
“Eu fiquei fascinado, é essa mesmo a palavra, e comecei a ouvir os projetos [musicais] e a malta dizia ‘vamos ouvir um projeto que vem do Mali ou da Argentina, e a característica era geográfica, pois traziam do seu país os seus instrumentos tradicionais, os seus cantares, as suas indumentárias”, contou.
“Comecei a pensar como enquanto músico eu podia transportar comigo algo do meu país, de forma a transportar as pessoas para Portugal”, disse à Lusa.
“Pensei que tinha de mudar de guitarra, em vez de uma norte-americana que era a que eu tocava, comecei com as antenas ligadas à procura e cruzei-me com uma viola campaniça no Alentejo, e foi o senhor Paulo Colaço que me a apresentou. E foi como as grandes histórias de amor, de alguém que nos apresenta uma pessoa com quem passamos o resto da vida”, contou.
Na passagem da guitarra elétrica para a viola campaniça “o principal obstáculo foi passar de uma guitarra com distorção para uma viola acústica em que o som está completamente limpo, em que tudo o que fazemos tem mais impacto”, disse O Gajo, realçando que “na guitarra elétrica, são muito mais os nervos à flor da pele” e a viola campaniça “exige um maior controlo da expressão”. Um obstáculo que considera não estar dominado, pois “estamos sempre a evoluir”.
Outra situação, que “exige prática”, são as cordas duplas da campaniça, para que se consiga dar as duas notas “e o som sair bonito”.
“Terra Livre” é o tema que abre o álbum e que lhe dá título, revelando que os dois músicos estão num território “que se quer livre”.
“Nem eu nem o Ricardo [Vignini] temos os formatos tradicionais. Quando compomos não o fazemos com um determinado número de regras, não frequentámos a academia, e, nesse aspeto, compusemos da forma mais livre; a música vai por onde nós sentimos que naquele momento faz sentido. Vamos e logo se vê.”
Há também “uma segunda camada”, na leitura desta liberdade de expressão que se relaciona com os movimentos cívicos pela defesa da Amazónia, no Brasil, em oposição às estratégias do anterior presidente Jair Bolsonaro. "Havia esse movimento que se chamava ‘Terra Livre’, que achei que era um nome com força, mas é algo que também me preocupa”.
O álbum surge assim “como um grito de liberdade e de apoio a estas causas”, defendeu.
“Este trabalho instrumental foi criado no sentido de criar narrativas em que temos de repetir os espaços por onde passamos. Estamos sempre a caminhar e o que nos apetece é não parar e perseguir o destino que estará algures.”
À Lusa, o músico lamentou a pouca atenção que “estes cordofones têm em Portugal". "Parece que ainda estão a nascer, e estão muito circunscritos à música tradicional, quando têm um potencial enorme. Infelizmente não se vê muitos músicos atuais a pegar neste instrumento, mas é uma tendência que está, felizmente, a ser contrariada, mas é muito recente.”
Além de “Terra Livre”, os outros temas do disco, como “Magma”, “Maria da Manta”, “Corrosão” e Bandidos”, vão ser apresentados em três concertos a partir do próximo dia 2 de fevereiro, quando subirem ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Depois seguem para Braga, onde tocam no dia seguinte, no Centro da Juventude, e para Coimbra, onde atuam no dia 4 de fevereiro, no Salão Brazil.
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