Não é um bandolim nem um cavaquinho nem um ‘ukelele’, o guitarrinho de Coimbra, também chamado de bandurrinho, era bastante utilizado em grupos musicais entre o século XIX e até meados do século XX, mas foi desaparecendo com o tempo.
No Museu da Música de Coimbra (Mus.Mus.Cbr), situado no Colégio da Graça, em instalações cedidas pela Liga dos Combatentes, este é um dos instrumentos que procura ser preservado, quer através de restauro, construção de novos guitarrinhos, concertos onde o instrumento é protagonista e procura de documentação sobre o pequeno cordofone em risco de extinção.
“Eu nunca tinha visto o guitarrinho e, quando o experimentei, fiquei um bocadinho fascinado”, conta à agência Lusa José Rebola, diretor artístico da associação, músico e membro dos Anaquim, que decidiu explorar o som daquele pequeno instrumento depois de ter entrado em contacto com o Museu da Música de Coimbra para construir uma guitarra de Coimbra.
Segundo José Rebola, o guitarrinho “tem muitas semelhanças com o bandolim, quer em termos de forma, quer em termos de afinação, mas é mais pequeno e tem cordas singelas em vez de duplas”.
“Nunca me dei muito bem com instrumentos de cordas duplas e no guitarrinho encontrei essa forma de poder expressar-me e de tocar num instrumento mais brilhante que o ‘ukelele’, que está ali numa terra entre a guitarra portuguesa e o bandolim”, contou.
Dentro do Museu da Música de Coimbra, onde já havia um grupo dedicado a reavivar a viola toeira de Coimbra, José Rebola começou o grupo “Guitarrinhos do Mondego”, que procura mostrar a versatilidade do instrumento, que tanto pode acompanhar canções de Zeca Afonso e Fausto, como interpretar temas dos AC/DC ou Beatles.
Além desse grupo, José Rebola decidiu também criar repertório novo para o guitarrinho e nasceu outra banda no seio do Museu, chamada Estaca Zero, que deverá lançar um álbum no início de 2025, focado em repertório novo inspirado na música tradicional.
O Mus.Mus.Cbr, formalizado em 2019 como associação cultural, desdobra-se entre escola de construção de instrumentos, um núcleo de estudos dedicado ao guitarrinho e outro à viola toeira (instrumento da região também em desuso), uma oficina de restauro e ainda uma escola de música, entre outras iniciativas, afirmou à agência Lusa o presidente da associação, Eduardo Loio.
Dentro do museu, surgiu também uma espécie de viveiro de bandas e grupos musicais, como os Toeira Trupe, os Sol-a-Sol, em que se dá vida a um rabecão (contrabaixo) de três cordas do século XIX, os Arrancado ao Esquecimento, ou As Vozes do Xisto. Ao mesmo tempo, promovem eventos, como um festival dedicado ao guitarrinho ou um ciclo de música instrumental.
“Não queremos esquecer o que estes instrumentos faziam, mas tentamos ver que papel é que eles podem ter no século XXI, que não tem necessariamente de passar por um pedal de ‘overdrive’ e tocar AC/DC, mas encontrar outras linguagens para estes instrumentos e procurar os artistas que já o estão a fazer ou desafiá-los a fazer”, vincou José Rebola.
Tudo começou em 2015, quando Eduardo Loio, professor de artes plásticas no ensino regular, criou um pequeno curso para construção de violas toeiras, com um apoio da fundação Inatel.
Com alguns dos alunos, avançaram com um núcleo inicialmente centrado na toeira. O projeto cresceu, foram juntando-se outras pessoas e também outros interesses, como foi o caso do guitarrinho.
Eduardo Loio encara o projeto mais como um museu em construção ou um protomuseu, com vários cordofones expostos, desde violas toeiras e guitarrinhos, mas também a guitarra de Coimbra, diferentes tipos de bandolins e banjos, a maioria restaurados ou construídos naquele espaço.
Além da exposição de instrumentos, no Colégio da Graça, este é também o espaço utilizado para a construção de instrumentos.
Gracinda Ortolá, de 76 anos, reformada, mostra um vídeo de José Rebola a tocar num dos dois guitarrinhos que já construiu.
“Sabe bem vê-lo a tocar por quem sabe”, diz a mulher reformada, a viver em Coimbra, que fez um guitarrinho para cada um dos seus dois netos.
“Estou a ver que já não saio daqui”, conta Gracinda, que gosta do processo vagaroso e que pede paciência a quem vai dando forma ao instrumento e que envolve muita coisa: “cortar, aplainar, lixar, aparar, serrar…”.
Apesar de não saber música – só toca “as campainhas da porta” -, conta ainda aprender na escola do Mus.Mus.Cbr.
Já Manuel Matias, de Condeixa-a-Nova, foi até ao museu para desempenar uma viola sua antiga.
“Desempenei uma e acabei a fazer outra”, conta o homem que trabalhou na área do restauro de arte sacra e que agora se entretém a fazer uma viola com todo o cuidado e atenção possível – só o tampo levou 140 demãos de verniz, vinca.
Ao seu lado, Jorge Cordeiro, que toca bandolim na Tuna Souselense, mostra mais um exemplo da dedicação necessária – vai criando um friso decorativo para a boca do guitarrinho, um círculo de poucos centímetros que só ficará cortado ao fim de algumas horas.
Já Aníbal Moreira, de 70 anos, admite que o processo de construção chegou a fazê-lo a pensar em desistir.
“Isto exige muita atenção, muita concentração e eu várias vezes estive perto de perder a vontade”, disse o advogado já reformado que dirige um grupo de fados e que se deixou encantar pelo museu numa visita, ao ver “tantos instrumentos, uns a construir, outros já construídos”.
“Senti esse impulso de trabalhar a madeira, de criar madeira com som. E aqui estou a construir um guitarrinho, que não conhecia”, conta à Lusa Aníbal Moreira, que espera tê-lo pronto para o Natal para oferecê-lo a si próprio.
“É uma esperança um bocadinho ilusória, mas vou tentar, que estou mortinho para o experimentar”, vincou.
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