No dia 24 de setembro, a convite do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, o coletivo subiu ao palco do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), para uma festa onde não faltou, sem sombra de dúvidas, o som animado e contagiante a que já nos habituaram.
À hora marcada e com uma plateia bastante composta (faltavam poucos lugares para a sala estar lotada), os OqueStrada são apresentados ao som do Fado dos Quintalinhos e da Introdução que está incluída no álbum do grupo, na voz gravada do fadista Nuno de Aguiar, que antes servira música ambiente para receber o público. Os adornos do palco eram bastante minimalistas: uma cadeira para cada músico, os instrumentos musicais e, para dar a ideia de arraial, um conjunto de lâmpadas coloridas. Com a canção Se Esta Rua Fosse Minha o espetáculo teve início e, desde então, não faltaram animação, palmas e dedicatórias.
“A próxima canção é dedicada a todos os solitários, mas cheios de desejo” -e assim tocaram Vá Lá. Durante todo o concerto o público tinha iluminação a incidir sobre si, o que dava um toque místico eaparentava proximidade com a banda. Também ao longo do espetáculo, Marta Miranda, a grande voz deste projeto, interveio e comunicou bastante com o público, explicando a finalidade das canções e o que elas representam no seu contexto.
Seguiu-se um “fado suburbano genuíno e emigrante" -"porque as cidades são feitas de emigração e já ao longo de vários séculos. Isto não é uma moda de agora. E este Fado Skazito vai ser cantadoà minha maneira,à boa maneira portuguesa, como se os meus bons lugares fossem os meus lugares suburbanos”.
Neste álbum único (Tasca Beat – Um Sonho Português), editado em 2009, encontramos várias sonoridades e canções cantadas em várias línguas, sobretudo em francês, como foi o caso de Tourner En Rond, que fala das periferias do mundo e de como é fácil ser-se excluído dessas mesmas periferias. Pablo, o contra-bacia, partilha a sua voz nesta e em outras canções dos OqueStrada, assim como Gerson Marta, que também toca guitarra. Para complementar esta grandiosa «oqueStração», João Lima encantou na guitarra portuguesa e Marina Henriques destacou-se com o seu acordeão.
Todos os momentos deste concerto foram especiais, cada um à sua maneira, mas o que se seguiu foi um dos momentos de encanto. Com o palco às escuras, Marta Miranda acendeu um candeeiro de mesa e, ora iluminando-se, ora iluminando João Lima, cantou Fala Sem Nota, que depressa se transformou num duelo instrumental fervoroso entre a guitarra portuguesa e o acordeão. De seguida, o efeito de Tasca Beat entrou em cena com Pablo e Gerson Marta a demonstrarem um pouco de dança tecno e mímica,de forma a entreterem as pessoas e demarcarem a sua musicalidade.
“A próxima é dedicada a todos os que nasceram antes de nós e que estão cá há mais tempo e também àqueles que vão ficando cá e ficam cada vez mais pequeninos” – e os acordes de Oxalá Te Veja fazem-se acompanhar por Vitor Ilhéu no trompete e começama ecoar por todo o grande auditório.
O momento musical que se seguiu foi protagonizado por Marina Miranda, que tocou Killing Me Softly, um êxito americano (originalmente interpretado por Roberta Flack), mas que aqui é interpretado por uma “suburbana apaixonada em Paris”.
De facto, os OqueStrada têm uma identidade única, remetendo-nos a todos para uma imagem de bailaricos e arraiais na altura dos santos populares, que, em algumas zonas do país, continuam a ser tão típicos e que aproximam os portugueses dos seus emigrantes.
A história que se seguiu teve como protagonista o músico Pablo. Este nasceu numa zona suburbana de Paris onde havia uma enorme comunidade portuguesaque influenciou bastante a sua juventude. Ainda hoje, Pablorecorda todos os nomes dos seus amigos portugueses que,chegado o mêsde agosto, via partir num Renault 12 vazio, regressando mais tarde com o carro cheio de coisas nacionais.
Pablo decidiu vir viver para Portugal aos 30 anos de idade e instalou-se em Almada, onde, de facto, nasceu verdadeiramente este projeto. Assim se passou a tocar Eu e o Meu País, outro momento sublime, onde a combinação de Dancing With Myself, de Bily Idol, se transformou num momento instrumental de sonoridade oriental, onde se destacou a guitarra portuguesa e a contra-bacia.
Creo (Cariño) serviu de mote para Marta Miranda dar a sua opinião -“os espanhóis têm muita atitude, mas nós [portugueses] temos muita língua e há que aproveitar isso” - e dedicá-la a todos os que amam, mas que nem todos os dias se conseguem expressar. A juntar ao instrumental, uma cadeira-bateria "que nunca sai do nosso país" deu um toque de requinte a esta música.
Nesta viagem musical, partimos para Cacilhas, uma “selva de betão e pneus” onde milhares de pessoas saem e regressam às suas casas e às suas rotinas. Entre elas, está Heidi e esta Heidi é bastante curiosa. A canção trata-se de uma sonata em três tempos (que não é mais do que um medley) e éinterpretada pelo artista convidado Paulo Ribeiro, que ofereceu o momento mais divertido da noite. A música tem o típico “olaré-hi-ho” austríaco, a debitação em formato Rap das estações de metro de Almada e das cidades que ficam na sua periferia e, por fim, o refrão da música Voyage Voyage, do grupo Desireless. A verdade é que este jovem artista é mais um que tem todo o talento para singrar na representação e no panorama musical, mas que, sem culpas de ninguém, não é reconhecido pelo mérito que tem.
Marta Miranda aproveitou para dedicar a próxima música, de nome Faísca, “ao emigrante que há em todos nós, mas que não sabemos que existe dentro de nós (e por isso devíamos migrar cá dentro – de Portugal)”. Agarrem-me, sobre uma rapariga sonâmbula que vive num país esquecido, e Kekfoi, dedicada a todas as pessoas que vivem em Portugal, são de facto as canções mais vivas do grupo e encerraram uma hora de concerto. O público que estava bastante satisfeito, pediu mais uma e os OqueStrada regressaram e tocaram ainda mais três músicas no primeiro encore.
Só com Marta Miranda e Pablo em palco, a canção Qualquer Coisa Que Me Anima retomou a animação e, em jeito de surpresa, foram entoadas duas novas músicas que deverão ser incluídas num novo álbum do grupo: Acoustic Beat, cantada e dançada por Pablo, e uma marcha chamada de 7 Colinas, escrita pelo inigualável artista Alfredo Marceneiro.
De facto, com tanta animação e com o tempo a passar sem darmos conta, o público pediu ainda mais músicas e os OqueStrada regressaram para o último encore. O Teu Murmúrio, mais uma nova canção, e novamente Se Esta Rua Fosse (2º andamento),numa versão instrumental e mais ritmada, terminaram em beleza o concerto,com toda a plateia de pé a aplaudir fervorosamente.
Foram duas horas muito bem passadas num ambiente puramente festivo e francamente português. Há que dar aos portugueses o que é de Portugal!
Texto: Ana Cláudia Silva
Fotografias: Joanica Cardoso
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