O curador Bruno Leitão vai recorrer do resultado final do concurso para a escolha do projeto curatorial e expositivo da representação de Portugal na 59.ª Bienal de Arte de Veneza, em 2022, disse o próprio à agência Lusa.

Bruno Leitão alega haver “incoerências e irregularidades graves nos critérios de avaliação, bem como violações explícitas dos ‘Deveres do Júri’, que são definidos por lei”. “Houve muitos problemas com este concurso e é importante que não se repitam no futuro”, afirmou, em declarações à Lusa.

Depois de ter contestado os resultados provisórios, em audiência de interessados, sem que tivesse havido alteração do resultado final que atribuiu ao seu projeto o segundo lugar, o curador irá agora apresentar recurso hierárquico, à Direção-Geral das Artes (DGArtes) e ao Ministério da Cultura.

Bruno Leitão foi um dos curadores convidados pela DGArtes a apresentar candidatura ao concurso limitado para a escolha do projeto curatorial e expositivo da representação de Portugal na 59.ª Bienal de Arte de Veneza, tendo apresentado a concurso o projeto “A Ferida”, de Grada Kilomba.

Além de Bruno Leitão, foram também convidados os curadores Filipa Oliveira, Paula Nascimento, Sara Antónia Matos e a dupla de João Mourão e Luís Silva, que venceu o concurso com o projeto “Vampires in Space”, de Pedro Neves Marques.

Bruno Leitão defende que “a lei não foi respeitada” neste concurso, algo que a DGArtes, na resposta à audiência de interessados, “contrargumenta que sim”.

O curador coloca em causa, por exemplo, disparidade entre os critérios de avaliação seguidos por cada um dos quatro elementos da comissão de apreciação, constituída por Sofia Isidoro, da DGArtes, que coordenou, e pelos especialistas Ana Cristina Cachola, Giulia Lamoni e Nuno Crespo como membros efetivos.

“Quando vemos as pontuações finais dá ideia de unanimidade e proximidade de candidaturas, mas quando vemos as notas atribuídas por cada membro do júri, não foi nada assim. É muito perverso”, disse Bruno Leitão, acrescentando que o atual modelo “permite que, num júri de quatro pessoas, a opinião de um dos membros passe por cima completamente da opinião dos outros três”.

Na resposta à pronúncia de Bruno Leitão, a DGArtes salienta que “as deliberações por unanimidade não se encontram estabelecidas no presente regime do Apoio às Artes, nem nos regimes supletivos, como é o caso do CPA [Código do Procedimento Administrativo]”.

“O facto de grande maioria das deliberações serem tomadas dessa forma não obriga que todas o devam ser nesse quadro de unanimidade, tratando-se, quando muito, de um costume administrativo e não de qualquer imposição legal”, alegou a DGArtes.

No concurso em questão, as candidaturas são avaliadas pelo júri com base em três critérios: Projeto artístico e equipa; Viabilidade – consistência do projeto de gestão; Objetivos – correspondência aos objetivos de interesse público cultural definidos no aviso de abertura; que têm fatores de ponderação de 60%, 30% e 10%, respetivamente, na média final.

De acordo com a documentação do concurso, a que a Lusa teve acesso, três dos elementos do júri atribuíram à candidatura de Bruno Leitão pontuações de 19 e 20 valores nos três critérios de apreciação.

No entanto, um quarto elemento avaliou o projeto com 10 e 15 valores. O mesmo elemento avalia os outros três projetos com notas entre os 16 e os 20 valores.

Em relação às discrepâncias nos critérios de avaliação, alega a DGArtes que “nada impedia que a escala utilizada fosse até inferior a 10, uma vez que a pontuação permitida era de 0 a 20 valores, pelo que não se compreende em que medida a análise individual e não coincidente nas pontuações atribuídas por cada um dos membros da Comissão, pode ser tida como estranha e muito menos ilegal, uma vez que essa análise tem subjacente uma margem de livre apreciação”.

“A análise individual efetuada por cada um dos membros às candidaturas, com base nos critérios definidos, embora desfavorável não pode ser apelidada de depreciativa se reconhece valor a uma candidatura, embora não a valorização esperada”, respondeu a DGArtes.

Em relação ao critério “Projeto artístico e equipa”, considera o elemento do júri que atribuiu a menor nota que a proposta de Bruno Leitão, “apesar de possuir uma equipa de reconhecido mérito e com trabalho de grande relevância nacional e internacional, não parece construir uma abordagem artística suficientemente relevante”.

Em audiência de interessados, o curador faz comparações entre a nota atribuída ao seu projeto e a outros e as justificações dadas por aquele membro do júri na atribuição das notas.

Quanto a isto, a DGArtes considera que, “tendo em conta a especificidade deste procedimento de apoio, a apreciação das candidaturas não assenta numa metodologia comparativa, a qual não se afigura aplicável, não só pelo facto de as candidaturas não serem objetivamente iguais, mas, simultaneamente, porque uma comparação descontextualizada entre candidaturas menospreza, para efeitos de argumentação, a especificidade de cada projeto, do percurso artístico e profissional dos seus intervenientes”.

Para a DGArtes, “o facto de a entidade candidata vir agora nesta fase invocar a disparidade de classificações atribuídas noutras candidaturas (facto normal em qualquer procedimento de apreciação e seleção de candidaturas) não se consubstancia na violação dos princípios da igualdade, justiça e imparcialidade da atividade administrativa, violação que só seria concebível se reportada a candidaturas objetivamente iguais, ou sobre os quais tivesse recaído uma idêntica apreciação, incompatível com uma diversa valoração”.

Após audiência de interessados, alguns dos 19 atribuídos à candidatura de Bruno Leitão passaram a 20. No entanto, os 10 e 15 mantiveram-se, o que fez com que o resultado final do concurso se mantivesse inalterado.

Alega o mesmo elemento do júri que, em relação ao critério Projeto artístico e equipa, “ao contrário da sugestão feita pelo candidato, a nota 10 é justa uma vez que ainda que a equipa técnica e artística seja competente, o mérito artístico da artista Grada Kilomba e deste projeto expositivo específico, que deverá ser o elemento central de qualquer representação, não é satisfatório”.

Para o elemento do júri em questão, o “muito longo currículo” de Grada Kilomba “não serve a este membro da comissão de apreciação como demonstração da qualidade artística”.

Pra a DGArtes, na resposta à contestação de Bruno Leitão, “a alegada desconsideração de Grada Kilomba como artista é uma não questão, até porque o projeto ‘artístico’ e curatorial em causa foi admitido ao concurso por preencher precisamente o requisito de se adequar à área artística pretendida - artes plásticas, fotografia e novos media”.

Bruno Leitão sublinhou que “a opinião pessoal de um membro do júri não pode sobrepor-se às outras três”.

“Um concurso com estas regras dá azo a problemas deste género. Neste caso, uma minoria conseguiu impor a sua vontade. Em princípio tudo isto é legal, mas, mesmo sendo, o concurso não pode ter estes moldes”, considerou Bruno Leitão.

Com o recurso hierárquico, o curador espera que o Ministério da Cultura “veja que há razão para analisar isto com olhos de ver” e que “se produzam mudanças”.

“O concurso devia ter um desfecho diferente, mas muito mais do que isso era bom que as regras não fossem tão aleatórias”, afirmou.

A 59.ª Bienal de Arte de Veneza vai decorrer naquela cidade italiana entre 23 de abril e 27 de novembro de 2022, com curadoria de Cecilia Alemani, e estará subordinada ao tema “O Leite dos Sonhos”.

Os países participantes têm até 11 de janeiro de 2022 para apresentar o projeto à organização.