No início dos anos 70 do século XIX, a carreira de Machado de Assis começava a ganhar forma depois de uma década de produção de peças teatrais e a publicação de um livro de poemas. 1870 assiste ao lançamento do seu primeiro livro de contos (“Contos Fluminenses”) e, dois anos depois, surge o seu primeiro romance, “Ressurreição” - um ano antes da sua segunda antologia.
A expressão “histórias da meia-noite” era popular na altura e referia-se a histórias sem base na realidade - por outras palavras, fanfarronice. A coletânea reunia textos publicados no Jornal das Famílias e, curiosamente, eram dedicados a um público feminino culto que também faz parte do estrato social privilegiado pelo escritor brasileiro nos seus enredos.
Os seis contos acabam por um compor uma sucinta abordagem de uma certa elite do século XIX baseada na agradável, frequentemente deliciosa e, a tempos, genial, prosa de Machado de Assis - cujo caráter de crónica afastava-se progressivamente do Romantismo e o punha-o já na direção que o tornaria um dos grandes mestres do Realismo.
Não que alguns dos assomos extremados do Romantismo não resultassem, aqui e ali, em algumas explosões sentimentais - tal como o romance está presente de forma pronunciada em quatro das histórias. De qualquer forma, aparecem irremediavelmente combinadas com uma ironia que tornava muito pouco idealizadas as vicissitudes dos seus protagonistas.
Em “Parasita Azul”, por exemplo, a louca paixão de uma personagem que se direcionava para o assassinato de um rival acaba por ser objeto de barganha política (!) - num enredo que, por outro lado, não deixava de apresentar convenções sentimentais - como um amante preso a um passado idealizado e outro que finge o próprio suicídio pelo desespero da recusa.
“Ernesto de Tal” já sugere de forma mais nítida uma espécie de “pré-Dom Casmurro" e a sua inesquecível Capitu “oblíqua e dissimulada” - embora aqui ainda numa versão muito mais singela. A protagonista está longe de uma mulher idealizada - é antes descaradamente manipuladora. Por falar em “Dom Casmurro”, “O Relógio de Ouro” antecipa, com um final a beirar o sarcasmo, outro tema célebre do clássico: o ciúme doentio.
Em “Ponto de Vista”, Machado de Assis ensaia o tema das lides românticas pelo olhar feminino: todo o conto é uma troca de cartas entre duas amigas, cujas características só se podem adivinhar pelos escritos de uma para a outra.
Um dos mais saborosos momentos e afastado de efemérides afetivas é “Aurora sem Dia”, que descreve impiedosamente as peripécias de um daqueles artistas iniciantes dominados pelo excesso de ego e confiança e absolutamente cego pelo desprezo e o deboche que gerava à sua volta.
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