Sem grandes apetrechos, cheios de entrega e "soul", os músicos britânicos fizeram a festa. Com uma noite fria em Lisboa mas um Coliseu dos Recreios a fervilhar de energia, tanto Rhodes quanto Hozier asinaram uma brilhante e intimista estreia em palcos lusos, com a promessa de que o regresso ficaria para breve. Se há uma beleza peculiar na simplicidade, a noite de ontem foi prova disso mesmo. 

Com o palco já preparado para receber Hozier e companhia, as luzes extinguiram-se, timidamente. Pé ante pé, o inglês David Rhodes, mais conhecido por RHODES, avançou sozinho com a sua guitarra até ao microfone, no centro do palco, e, sem se apresentar, introduziu-nos "Intro".

Num coliseu hipnotizado pela presença do cantautor britânico, é apenas quando a música cessa que nos apercebemos que o público está atento: quem está ao nosso lado bate palmas, efusivamente, ou solta um "wow" ocasional.

Sem interrupções, "Run" chega-nos dos dedos ágeis nas cordas do único instrumento que acompanha a voz do artista. E somos tomados por uma sensação estranha na barriga, como a de quem está a apoiar o amigo que canta no café: afinal como é que o Coliseu dos Recreios pode parecer o Santiago Alquimista? Depois dos aplausos, David chega-se ao microfone: «Obrigado. Como estão todos? O meu nome é Rhodes».

Banhado apenas pelas luzes dos holofotes, seguem-se o single "Close Your Eyes" e "Let It All Go", a música que compôs com Birdy. "Nunca a toquei sozinho. Normalmente, toco-a sempre com ela", confessa ao público enquanto afina a guitarra. "Obrigado a todos. Obrigado ao Hozier por me ter trazido com ele. É um sortudo por ter fãs como vocês: tão incríveis, acolhedores, fantásticos... Se me tirarem algumas fotos hoje, partilhem no twitter, que eu vou lá vê-las", acrescenta, sorrindo. "You & I", "Your Soul" e "Breathe" fecharam o concerto não sem que antes o britânico deixasse uma dedicatória ao seu melhor amigo. "Só tenho mais uma canção para vocês. O meu álbum 'Wishes' está agora à venda e acho que a próxima música expressa bem o que ele representa: é sobre superar os medos, apoiarmo-nos, sermos uns para os outros com amigos, família... O próximo tema chama-se 'Breathe' e é uma dedicatória ao meu melhor amigo". Novos agradecimentos e depois de abandonar o palco, as luzes reacendem-se.

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É acompanhado de um barulho ensurdecedor, e de telemóveis ao alto apontados para si, que Hozier chega ao palco. De cabelo apanhado, e sempre de sorriso no rosto perante uma ruidosa audiência, o irlandês traz-nos "Like Real People Do". «Muito obrigado, apanharam-me de surpresa. Acho que vai ser uma noite divertida», foram as primeiras palavras que disse, agradecendo o calor humano que se sentia no Coliseu.

"Angel of Small Death and the Codeine Scene" trouxe-nos palmas ritmadas e alguns tímidos passos de dança, um pouco por toda a sala de espetáculos. Quase sem interrupções, mas sempre acompanhado de um público barulhento e afinado, saímos do tom mais "gospel" para o "reggae" de "From Eden". Neste registo, Hozier pôde mostrar-nos a sua mestria com a guitarra, abanando sempre a cabeça, incrédulo com a receção do público português.

Seguiu-se "Jackie & Wilson". Cheio de groove, fletindo as pernas, o irlandês estava visivelmente feliz e surpreso com a quantidade de pessoas que entoavam os diferentes versos das suas canções. "Muito, muito obrigado. Como estão a sentir-se? Tenho de confessar-vos algo: esta é a mais bela sala onde já atuei. Não se riam, não é uma mentira, este sítio é lindíssimo. Obrigado por terem vindo até aqui ver-me. Agora preciso que repitam tudo o que disser. E prometo que não vou julgar como cantam". Num jogo de vozes, entre os seus "Ohs" e do coro e os "Ohs" do público, o tempo correu até "To Be Alone", a música mais "country" do álbum do cantautor.

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Há uma beleza peculiar na simplicidade e a noite de ontem foi prova disso mesmo. Mais um obrigado e "Someone New" e chegamos a "Blackbird", composta por Paul McCartney, que o cantor nos convida a recriar. "Queria ainda pedir-vos aplausos para Rhodes. Tive a sorte de o ter a acompanhar-me nesta digressão e ele é um cavalheiro, um homem genial e um cantor fantástico", pausa para aplausos. "O próximo tema fala-nos sobre fazer as escolhas acertadas, cortar os laços e deixar as coisas ir", acrescentou, introduzindo "It Will Come Back".

Alana Henderson, a violoncelista, abandonou o seu lugar junto do instrumento e juntou-se ao cantor, num segundo microfone. "Deixem-me apresentar-vos a Alana. Tem-me acompanhado em digressão há mais de um ano, quase dois, é irlandesa, compõe e também canta... Mas, para a canção que vamos interpretar agora, vocês precisam de alguma contextualização. Eu sou de Wicklow, perto de Dublin, e, na minha terra, há um sítio lindíssimo chamado Wicklow Hills. Adivinharam, são umas colinas...", ironiza perante as gargalhadas dos presentes. "Nessa zona, há vales, lagos, rios, quedas de água e, se alguma vez ouvirem o seu nome nas notícias é porque, provavelmente, encontraram lá um corpo. É um local sossegado para onde os apaixonados vão para se deitar na relva e fazer aquilo que os apaixonados fazem de melhor".

"In a Week", o dueto com Alana, transporta-nos para o verde dos montes irlandeses, e, quando abrimos os olhos, pensamos que, se a noite lisboeta não estivesse tão fria, seria um ótimo concerto para assistir ao ar livre, banhado pelo luar, com as notas das vozes dos dois entrelaçadas no ar.

Num ápice, o concerto aproxima-se, vertiginosamente, do fim. A"Arsonist's Lullabye" segue-se "Sedated", há ainda tempo para apresentar a banda.

"Queria apenas dizer-vos que a última vez que estive em Portugal, era uma criança. Costumava cá vir com a minha família apenas porque é um país fantástico. Não voltei cá desde essa altura, é a primeira vez hoje, em muitos, muitos anos, e ter uma reação destas de um público para o qual atuo pela primeira vez... Este é um daqueles concertos que não vou esquecer, por isso, muito, muito obrigado", ouvem-se os primeiros acordes de "Take Me To Church", o single que catapultou o cantor para os tops mundiais. Com o Coliseu a cantar a música, em uníssono, Hozier pecou, apenas, por deixar sempre os instrumentos sobreporem-se às vozes afinadas da audiência e não ter dado a oportunidade de o público português lhe ter dedicado um refrão "a capella".

O cantor nem havia abandonado o palco quando se ouviram os primeiros bater de pés, as primeiras palmas, os primeiros trauteios de "Seven Nation Army". "Vocês têm sido um público louco", disse ao regressar para o encore. Sozinho, tal como Rhodes entrara no início do concerto, Hozier tomou o seu lugar ao microfone acompanhado apenas da sua guitarra para nos brindar com "Cherry Wine". "Fantástico! Vir a um país onde a língua materna não é o inglês e poder ver-vos e ouvir-vos cantar os meus versos melhor do que se vocês fossem britânicos? Obrigado, apenas obrigado. Não poderia desejar melhores boas-vindas, obrigado. Agora, sem medos, acompanhem-me. Sigam as minhas palmas, mas deixem-me guiar-vos", solta, entre risos, virando-se para o baterista - já de novo sentado aos tambores com as baquetas na mão - quando o público não cessa os aplausos. "Work Song" fechou a chave de ouro a estreia que viu o pano cair num ambiente descontraído e divertido, com uma promessa firme de que o regresso não tardará.