Uma das coisas “interessantes” na peça “é que remete sempre para o passado”, disse o encenador à agência Lusa, sublinhando o facto de o espetáculo conter, “do ponto de vista cénico”, do que propõe “como cenário, mas também do ponto de vista do tom da peça e dos personagens que mistura, psicanálise com realismo, com surrealismo com uma espécie de tempo suspenso”.

Essa é uma “matéria que lhe interessa, particularmente, explorar em teatro”, observou, em entrevista à agência Luísa, no final de um ensaio parcial da peça.

Posta em palco a partir do texto original de Tennessee Williams (1911-1983), com tradução específica para o espetáculo de Miguel Castro Caldas, “Subitamente no Verão Passado” é um projeto que já tem cinco anos.

O dramaturgo norte-americano é, todavia, uma descoberta recente para o diretor artístico da Primeiros Sintomas.

“Porque tinha uma espécie de preconceito em relação aos autores americanos, não sei porquê; não sei se por uma questão de ligarem muitas vezes estes autores a cinema, de ser uma cultura muito diferente….”, confessou.

Foi um colega ator, António Mortágua, que trabalha com a companhia que dirige, que há mais ou menos cinco a seis anos lhe falou nesta peça e que, por curiosidade, Bruno Bravo foi ler, acrescentou, sublinhando ter ficado logo “interessadíssimo no autor” pelo que, de seguida “leu a obra praticamente toda”, tendo-se “interessado particularmente” por esta peça.

Muito conhecida do público como “Bruscamente no Verão passado”, título do filme que o norte-americano Joseph Leo Mankiewicz realizou em 1959, a partir do argumento do autor da peça e de Gore Vidal, com Elizabeth Taylor e Katharine Hepburn a protagonizarem as personagens femininas, a peça do autor de “Gata em telhado de zinco quente” e “Um elétrico chamado desejo” é, para Bruno Bravo, “uma das peças mais inquietantes” do autor norte-americano contemporâneo.

“Por várias razões. Por misturar realismo com surrealismo” e por ser uma peça “em que se faz um exercício de memória, que tem uma componente literária muito forte”, sustentou.

“Subitamente no Verão passado” é uma peça que se inscreve no imaginário sulista dos Estados Unidos da América, cuja ação decorre em 1937, quando Espanha se confrontava com a Guerra Civil iniciada em julho de 1936, facto que não é mencionado no texto embora na época se tenham passado várias revoltas populares como as contadas no clímax do texto.

Sebastian Venable é a personagem central da ação da peça, sem nunca aparecer em cena – por ter morrido no Verão anterior à ação -, pelo que é uma personagem “que se constrói na imaginação”.

“Que se completa, digamos assim, na imaginação de quem lê a peça ou poderá ver o espetáculo”, referiu Bruno Bravo, considerando esse “um traço genial de Tennessee Williams”.

Sebastian Venable chega, assim, ao público, através de duas personagens femininas – sua mãe, a viúva rica Violet Venable (interpretada por Mónica Garnel), e a sobrinha desta, Catherine Holly (Catarina Salles), uma jovem que assistiu à morte do primo na praia espanhola de Cabeza de Lobo, que é diagnosticada com uma doença mental e a quem Violet quer mandar fazer uma lobotomia por ciúmes e para se vingar da morte do filho que idolatrava.

Duas visões diferentes de Sebastian e que remetem para "o conceito de verdade", que é outro dos temas da peça que despertam interesse a Bruno Bravo, disse.

Enquanto Violet Venable, no cenário de um jardim tropical típico da classe alta sulista, abre a peça numa dissertação sobre o filho – projetando-o como “uma figura idílica” em que quase “o endeusa como um poeta iluminado, casto, puro, sensível”, a prima Catherine transmite daquele uma “verdade oposta”.

“Subitamente no Verão Passado” chega ao D. Maria II três anos depois de os Primeiros Sintomas terem aberto a temporada 2017/2018 com “Rei Lear”, a partir da peça de Shakespeare, e depois de Tiago Rodrigues ter questionado Bruno Bravo sobre quais os seus projetos futuros e este lhe ter falado nesta peça de Tennessee Williams.

O projeto começou então a delinear-se devido ao interesse demonstrado pelo diretor do Teatro Nacional, dando-se início a uma parceria no sentido de se criarem “as condições mínimas de orçamento para a execução do espetáculo”, contou o encenador.

“Portanto, o Tiago Rodrigues foi uma peça fundamental para a execução do espetáculo, mais a mais na sala Estúdio, que nos pareceu ser a sala adequada para apresentar este espetáculo”, sublinhou.

Questionado pela Lusa sobre se esta incursão em Tennessee Williams lhe aguça o apetite para voltar a pôr em palco peças do dramaturgo, Bruno Bravo admitiu que sim, embora não tenha nada projetado para breve sobre este autor.

“Um elétrico chamado desejo” era, todavia, a peça “que lhe daria muito gosto e muito prazer” pôr em palco. Por ser “muito diferente do filme”, já que ainda que o enredo seja o mesmo “a peça tem um universo mais complexo e mesmo a nível de personagens mais denso do que o filme” realizado por Elia Kazan, em 1951, com argumento de Tennessee Williams, protagonizado por Marlon Brando e que, em 1952, arrecadou quatro Óscares, um dos quais para Vivien Leigh, como Melhor Atriz no papel de Blanche Dubois.

A interpretar “Subitamente no Verão passado estão Alice Medeiros, Carolina Salles, Joana Campos, João Pedro Dantas, José Leite, Marina Albuquerque e Mónica Garnel.

Com voz off de Bruno Huca, cenário e figurinos de Stéphane Alberto, desenho de luz de Alexandre Costa, música e sonoplastia de Sérgio Delgado e Leonardo Garibaldi na produção e assistência de encenação, a peça está em cena até 23 de fevereiro, com espetáculos às quartas-feiras e sábados, às 19:30, às quintas e sextas, às 21:30, e, aos domingos, às 16:30.

A sessão de dia 09 terá interpretação em Língua Gestual Portuguesa, havendo, no final do espetáculo, uma conversa com o público, enquanto a apresentação de dia 23 terá audiodescrição.