Os atores brasileiros Reynaldo Gianecchini e Ricardo Tozzi dão vida ao pragmatismo e ao idealismo da obra, que tem como inspiração uma lenda sobre o Taj Mahal, em Acra, na Índia, segundo a qual os guardas do palácio não podiam falar nem olhar o edifício, mas estendem a perspetiva da obra à atualidade e, em declarações à Lusa, recordam a situação no Brasil.

A ação do drama nasce do desafio à ordem e aos códigos estabelecidos, e coloca Gianecchini e Tozzi em papéis muito diferentes dos que têm desempenhado em telenovelas, mais conhecidas do público português. É o caso de "Mulheres Apaixonadas", "Guerra dos Sexos", "Insensato Coração" ou da mais recente "A Lei do Amor", em que ambos entravam.

A peça "Os Guardas do TAJ" situa-se em 1648, ano em que o Taj Mahal foi concluído, mas as questões abordadas são intemporais e a mensagem é atual, pois "a gente precisa de alguém que diga 'fod...'" e ponha em causa o poder estabelecido, defenderam os atores, em entrevista à Lusa, à margem do ensaio geral, que antecedeu a estreia.

No início, era o silêncio. Aos soldados da guarda imperial era exigido que não falassem e obedecessem. Mas a lei é desafiada pela irreverência de um soldado que ousou sonhar e que, apesar das tentativas do companheiro de armas para o calar e o manter dentro do que está convencionado, acaba por quebrar as regras e pôr em causa o imperador, que mandara cortar as mãos aos 20 mil homens que construíram o Taj Mahal.

"Então fod... o rei porque a beleza vai viver!", clama a personagem de Ricardo Tozzi, aterrorizada pelo ato que estava obrigada a cometer, temendo assim matar a própria beleza. Em causa estava a amputação dos escravos, decidia pelo soberano para que nada mais bonito do que aquele monumento fosse jamais construído.

"A gente precisa que alguém diga esse 'fod...!'", começou por defender Reynaldo Gianecchini. "Tem de haver alguém que se rebele", reforçou Tozzi.

Por isso, da Índia de 1648 os atores passam para o Brasil de hoje.

"A gente está num momento no Brasil em que muita gente está dizendo esse 'fod...', está indo para a rua. 'Fod...' o rei, estes políticos não nos representam, a gente não quer isso", explicou Gianecchini.

Para o ator, o Brasil atravessa um "momento muito bonito" de luta por um ideal. Na peça, Gianecchini encarna o pragmatismo, a rigidez do código de conduta, a preocupação em agradar ao pai, a obediência cega ao imperador.

"A nossa geração não conhecia essa participação" que se verifica agora no Brasil. "Era meio alienada e agora está todo o mundo se posicionado e dizendo isso: 'Fod..., não é assim não!'", descreveu.

Para Tozzi, que dá vida ao idealismo, o momento de catarse, de rebelião, é justificado como resposta às ordens do rei: "É preciso esse grito [de libertação], principalmente se o rei só se preocupa com os seus próprios interesses. O nosso rei quebrou a Índia para construir o Taj Mahal, uma homenagem à mulher que ele amava. Mas quebrou um país", disse.

Na peça, o confronto entre o pragmatismo e o idealismo está sempre em palco, através das duas personagens. Ambas defendem a sua visão do mundo: uma obedece, a outra questiona. No fim, ambas sofrem.

"No final de contas, o pragmático, o racional, fica muito triste por saber que a sua opção de vida foi servir uma ordem que lhe foi imposta e nem questionou. Ele podia ter acabado com o amigo, em nome dessa ordem e dessa dor. A culpa é o pior", afirma Gianecchini.

"O sonhador está mais próximo dele [mesmo], do que ele sente, e o racional está sempre preocupado em atender o outro. No final, quem sofre mais é o 'cara' que está distante da sua essência", corrobora Tozzi.

Nascemos assim, programados para obedecer? Não. Exatamente o que a peça põe em evidência.

Tozzi dá como exemplo a última cena, quando "o pragmático mostra a alma dele". "Ele entalhou um passarinho em madeira e o [seu] pai falou que é besteira e o mandou parar". "É uma grande metáfora do que acontece" na realidade: "A criança tem essência", sonho, criatividade, personalidade, "e o pai fala que não pode; tem isso assim, assim e aquilo", mas é contrariada. "E aí você cresce longe do que é".

"Os Guardas do TAJ" foi estreada em Nova Iorque pela Atlantic City Company, em 2015. É uma das mais recentes obras do norte-americano Rajiv Joseph, argumentista de filmes como "Dia D", de Ivan Reitman, e "Exército de Um Homem Só", de Larry Charles.

"Bengal Tiger at the Baghdad Zoo" deu o Prémio Pulitzer ao dramaturgo, já distinguido também por outros galardões como os prémios Steinberg e Whitening.

"Os Guardas do TAJ", encenada por Rafael Primot, é apresentada em Portugal, antes da estreia brasileira, em São Paulo, em janeiro de 2018.

A peça fica em cena até sábado, no Theatro Circo, em Braga, seguindo depois para o Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, onde permanecerá em cena nos dias 16 a 19 de novembro, antes da apresentação na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, de 23 a 26 de novembro.

A digressão portuguesa termina em Lisboa, no Teatro TivoliBBVA, com representações de 29 de novembro a 27 de dezembro.