"Se não estiveres nervoso, é porque não tens noção do que estás a fazer. O dia do lançamento não deixa de ser um dia no qual estás absolutamente concentrado, mesmo que já o tenhas feito várias vezes", assegura o Capitão Chris Cassidy ao recordar a sua terceira e última missão enquanto astronauta da NASA, que terminou em 2020.
O norte-americano de 51 anos, recentemente reformado, é o protagonista de "Entre as Estrelas", minissérie que documenta a sua derradeira jornada fora da Terra ao longo de seis episódios, todos disponíveis no Disney+ a partir desta semana. O que começa como a tentativa de reparação do Espectómetro Magnético Alpha (um módulo de física de partículas desenvolvido para pesquisar diversos tipos de matérias incomuns, através de medição por raios cósmicos), na Estação Espacial Internacional, expande-se para um retrato da dinâmica da equipa de engenheiros, controladores de voo e especialistas durante dois anos - resultado de filmagens que incluem diários pessoais em vídeo ou livestreams tanto na Terra como no espaço.
"A essência desta missão é perceber como manter a vida pela maior duração possível num ambiente em que controlamos os níveis de oxigénio, a limpeza do ar ou a reciclagem de cerca de 90% da água, o que é um processo tecnológico incrível e absolutamente essencial se quisermos ir a Marte ou voltar à Lua", explica Cassidy durante um encontro virtual com meios internacionais no qual o SAPO Mag esteve presente.
"Como viajamos para o espaço há vários anos, temos um conhecimento prático muito profundo, não só do que estudámos mas também do que já experienciámos, de como saber fazer as coisas. E claro, a nossa pesquisa também motiva diversos estudos. O que fomos registando possibilita material de investigação para muitas décadas. Tudo isso é importante para alargar o conhecimento de todos sobre aspetos decisivos do tempo e do espaço", acrescenta.
Menos familiar, no entanto, é esta rotina ser objeto de um documentário. Mas o antigo Capitão conta que essa novidade não mudou muito o seu dia a dia. "O estado mental de um astronauta durante uma missão é um pouco como no 'Big Brother'. Estamos num ambiente fechado, rodeados de câmaras, e sentimos que, mesmo que não seja filmado para um documentário, vai tudo parar à internet. Tens noção de que tudo o que fazes está a ser filmado. Por isso, o documentário não trouxe grandes diferenças a esta missão".
Por outro lado, o impacto da pandemia da COVID-19 alterou substancialmente a história desta jornada face às anteriores vividas pelo norte-americano. "Não me apercebi logo dos efeitos da pandemia no quotidiano porque já estava na minha própria quarentena antes de iniciar a missão. Mas ao fim de uns meses, foi percebendo as ramificações que teve, através de conversas com amigos e familiares, quando estava tudo fechado e o papel higiénico tinha esgotado", diz ao recordar um período "de grande fricção e tensão no mundo".
"Desta vez, fui eu a pessoa que teve de dar apoio psicológico. Geralmente, quem está na Terra é que nos apoia, mas aqui foi precisamente o oposto", revela, entre risos.
A pandemia também levou a que o ex-astronauta colaborasse na realização, uma vez que Ben Travers, criador e realizador da série, teve de acompanhar quase inteiramente a missão a partir de casa. "Não consegui filmar nada no espaço devido às limitações da pandemia global, mas felizmente o Chris tornou-se realizador e foi muito generoso ao manter-se em contacto comigo para as filmagens das vários áreas da Estação Espacial Internacional", salienta o documentarista.
Enquanto a humanidade atravessou um "momento de grande discórdia que mostrou como éramos vulneráveis", Travers tentou encontrar sinais de esperança numa série "que mostra um grupo de pessoas que se une para fazer algo extraordinário: viajar para o universo com ambição, espírito de sacrifício e sentido de responsabilidade pessoal".
O norte-americano confessa-se lisonjeado por "ter estado em contacto com essa equipa e acompanhado o seu progresso enquanto tudo o resto estava tão desesperado e miserável". E revela-se orgulhoso pela mudança temática no seu percurso documental.
"Fiz muitos documentários sobre desporto, que seguiram a temporada de uma equipa e a sua rotina. É uma forma de contar uma história que funciona muito bem com esse tema, mas quis explorá-la noutro âmbito", assinala.
"Há muitos documentários científicos e sou obcecado por eles, vejo-os todos, mas tendem a ser muito técnicos e expositivos. Aqui pretendi contar a história de uma missão a partir de uma dinâmica de equipa, dando mais atenção à componente dramática entre os seus elementos. E nunca tinha visto essa abordagem num documentário sobre o espaço", sublinha.
"Acompanhar uma equipa inacreditavelmente diversa, e de áreas de especialização distintas, que se junta para ir para o espaço é incrível e foi um privilégio ter sido o primeiro a contar uma história assim", complementa. "Espero que a série capte essa sensação de maravilhamento ao dar a ver um momento incrível".
Chris Cassidy também partilha da sensação de maravilhamento, mas confessa que seria ainda maior caso pudesse concretizar um sonho antigo. "Andar na Lua. Não há nada que gostasse mais de fazer. Mas vai demorar alguns anos até ser possível e sei que não poderia ir na primeira ou segunda missão", esclarece. "Ajudar a encontrar respostas, apanhar uma pedra, atirar uma bola de golfe, caminhar... Faria o que quer que fosse preciso". Talvez venha a ser uma missão a explorar noutra série documental, num futuro não muito distante... Por agora, fica o relato de "Entre as Estrelas" para quem quiser subir aos céus sem ter de sair de casa.
Comentários