Benjamin Braddock (Dustin Hoffman) chega ao aeroporto de Los Angeles de olhar vazio. Em piloto automático, regressa a casa. Sem ter de falar, conhecemos o seu estado de espírito. “Hello darkness, my old friend”, diz a música. E são estas as primeiras palavras de “A Primeira Noite”, o filme que lançou Dustin Hoffman, legitimou Mike Nichols e abriu a música de Simon & Garfunkel às massas. E isso é muito para um só filme. Ainda para mais, um filme acusado de não representar a sua geração, acabando contudo por tornar-se um testemunho da sua era.
Aos 21 anos, saído da licenciatura, Benjamin Braddock não sabe o que vai fazer da vida. Só sabe que quer que ela seja “diferente” do círculo que conhece, das famílias influentes que exprimem o seu sucesso através de bens materiais. A angústia de Benjamin é interrompida pela mulher do sócio do seu pai, Mrs. Robinson (Anne Bancroft). A história (baseada no livro de Charles Webb e adaptada por Buck Henry e Calder Willingham) foca-se neste caso, até que Benjamin se deixa convencer pelos pais a convidar Elaine Robinson para sair.
Benjamin acaba por revelar a Elaine que teve um caso com uma mulher casada. E é notável a cena em que Elaine se apercebe de que essa mulher é, na verdade, a sua mãe, porque o realizador Mike Nichols foca lentamente a câmara na cara da jovem à medida que ela percebe o que Benjamin lhe está a dizer. Muito rapidamente, e de forma estranha, a ligação entre os dois torna-se inseparável. Quando Elaine regressa a Berkeley, Benjamin segue-a – tem de casar com ela. E se já parecia pouco plausível a forma como Mrs. Robinson mostra a Benjamin que está disponível para ele, a segunda parte do filme tem comportamentos ainda mais estranhos, como quando Benjamin chega no final do casamento de Elaine com um jovem médico, arranjado pela família, mas ainda assim acabam a fugir os dois, depois de apanharem um autocarro sem destino.
Um coro de críticas envolveu o filme desde o início, por não contextualizar a história nos Estados Unidos dos anos 1960, com a Guerra do Vietname, os movimentos de direitos humanos e a transformação cultural em marcha. Mas nada é acidental. As inquietações sociais não têm lugar no universo privilegiado de Benjamin. Na bolha daquele licenciado rico, só existem neuroses.
“A Primeira Noite” pode até nem falar explicitamente do contexto social mas está impregnado dele. A rebeldia de Benjamin ao querer resistir às insistências do círculo de amigos dos pais diz muito sobre o espírito contracorrente daqueles anos.
Nas escolhas de Mike Nichols, as imagens estão cheias de subtexto. Os pais de Benjamin são a força opressora de uma sociedade onde não há espaço para comportamentos disruptivos. Numa cena na piscina, nadam à volta de Benjamin (deitado numa boia) como se fossem tubarões a caçar a presa. No aniversário de Benjamin, dão-lhe um fato de mergulhador (igual ao que está imóvel no fundo do aquário que o rapaz tem no quarto) e lançam-no à piscina, perante os amigos.
Benjamin tenta explicar que não está confortável, mas Mike Nichols mostra-nos que os pais não se preocupam com isso: no ponto de vista do mergulhador, por detrás da máscara, o realizador dá-nos a perspectiva de Benjamin. Um jovem que se sente asfixiado na sua bolha. Na famosa cena no quarto de hotel, Nichols enquadrou a perna de Anne Bancroft à frente de Dustin Hoffman: Benjamin está preso. Além disso, os encontros com Mrs. Robinson são sempre às escuras, com as personagens a fazerem questão de apagar qualquer fonte de luz. A tensão do confronto entre Benjamin e a mãe – que lhe pergunta onde passa as noites – está mais do que refletida no facto de o jovem estar a fazer a barba e cortar-se com a lâmina quando tenta fugir à verdade.
A banda sonora ajuda a contar a história, substituindo por vezes as palavras. A maioria das canções que Simon & Garfunkel ofereceram a “A Primeira Noite” já era conhecida. Só “Mrs. Robinson” foi um original e, mesmo assim, foi a adaptação feita à pressa (e nunca corrigida) de uma primeira versão inspirada em Eleanor Roosevelt. “Mrs. Robinson” toca no momento em que Benjamin viaja de carro e até a correr para resgatar Elaine do casamento indesejado. Pelo meio, “April Come She Will” lança o protagonista na sua mudança de estado, onde a tristeza dá lugar à esperança.
“The Sound of Silence” é a canção que abre o filme, quando conhecemos Benjamin – angustiado e perdido. É também o tema que acompanha Benjamin no final, já com Elaine, quando partem sem rumo no autocarro, uma das melhores cenas do filme. A câmara segue colada às costas de Benjamin e treme quando o motorista acelera. Depois, foca-se em Elaine e Benjamin, sentados nos últimos lugares. Enquanto espreitam um para o outro, alternam entre sorrisos abertos e olhares carregados. As personagens acabam de perceber que fugiram do seu mundo, mas seguem sem destino. Assim como Benjamin começou, não sabe para onde ir nem o que fazer.
As canções de Simon & Garfunkel dão à história a coesão que, por vezes, vacila, além de um tom folk melancólico, de cores desmaiadas e sonhos perdidos. Já a banda conseguiu bater recordes.
Pela história e pela música – mas sobretudo por ser um filme onde revemos as nossas angústias da vida – “A Primeira Noite” manteve-se relevante desde que estreou. E já lá vão mais de 50 anos.
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