Praticamente não se fazem filmes de terror em Portugal. Em menor número ainda são os que chegam ao circuito comercial. No caso em questão, trata-se de uma longa aventura: com pouquíssimos recursos, o realizador do Porto José Pedro Lopes logrou concretizar um projeto e, mais que isso, iniciar um impressionante périplo mundial.

Mas, antes… do que se trata? A ideia inicial tem matriz japonesa: dois personagens encontram-se numa floresta de suicidas. Mas um deles não está propriamente disposto a cumprir o prometido. “A Floresta das Almas Perdidas” fala de uma “serial killer” juvenil. E, menos comum, uma mulher.

Mas não se esperem banhos de sangue: para além de uma bela fotografia a preto-e-branco, a cargo de Francisco Lobo, em excelente companhia com a música de Emanuel Grácio, o filme assenta numa crença do realizador – que lida com outro tipo de amostragem. Para ele o terror vem da falta de uma verdadeira motivação da sua assassina para fazer o que faz: "Achei que o facto de ela não ter motivos funcionava melhor como elemento de terror".

Quem encarna a vilã/protagonista é Daniela Love, que após alguns papéis secundários em projetos da RTP, tem aqui o seu primeiro filme como atriz principal e uma rara oportunidade no cinema português: encarnar uma assassina que não tem grandes razões para matar.

“Para mim foi um bocado difícil chegar lá”, observa. “O que ela faz não é consequência de nenhum trauma, ela apenas faz aquilo porque lhe apetece e não vê as consequências dos seus atos”.

Sem motivações, é difícil achar referências: “Não tinha muito como me inspirar em outros ‘serial killers’, ela era algo isolado. E, tampouco, poderia ter muito de ‘meu’ em alguém assim… Bom, se calhar fui encontrando elementos de uma versão ridícula e ‘hipster’ de minha pessoa. Mas, obviamente, tem pouco de mim!“ [risos]. Mas, por outro lado… “lembra pessoas que conheço por aí…!” [risos].

Telemóveis, redes sociais e psicopatas

A vilã de “A Floresta das Almas Perdidas” assimila uma série de elementos do mundo contemporâneo e até usa o Facebook como álibi.

Sobre isso, o realizador filosofa assertivamente: “Vivo um pouco melindrado com a forma como os redes sociais criam uma barreira entre as pessoas, como se todos agora tivessem um permanente Relações Públicas. O que as pessoas fazem no Facebook é criar uma fachada, uma falsa ideia de sucesso. Achei interessante ter uma antagonista que usasse esses recursos para fazer tudo o que queria, desde mentir aos pais até levar outros a fazerem o que não queriam”.

O mesmo vale para os telemóveis: "Antigamente, por exemplo, se estávamos no carro à espera de alguém, permanecíamos sozinhos. Agora nunca estamos sós: para ‘não apanhar seca’ vamos meter conversa com alguém. Mas esta forma de viver, de nunca estar sozinho, é uma forma de psicopatia".

Terror para o mundo

Como tantas vezes têm acontecido com os artistas portugueses, a viabilidade do projeto é pensada numa escala mundial: longe de estar à espera de subsídios e de uma estreia nacional que poderia nunca acontecer, José Pedro Lopes, também diretor da produtora Anexo 82, tratou de algo que excede em muito a tarefa de um simples cineasta: assegurou uma vigorosa procura de uma carreira internacional para "“A Floresta das Almas Perdidas”.

"Assumi sempre que em Portugal não seria muito fácil e até podia nunca ter distribuição e que, a nível internacional, existem muitos mercados virados para o terror, principalmente o artístico", diz.

Depois de estrear em Portugal no Fantasporto e, em Lisboa, no FESTin, ambos no início do ano, uma guinada essencial ocorreu em junho: a seleção para o festival de Sidney, na Austrália, abriu as portas no mercado internacional.

A imprensa, a partir daí, ajudou: críticas positivas na Variety, no Screen Daily e na meca “online” das falanges terroríficas, o “site” Bloody Disgusting. Este último selecionou o filme como um dos melhores do ano; uma nova surpresa ocorreu em setembro recente – com “A Floresta das Almas Perdidas” a surgir no top da revista Newsweek.

Depois de um longa série de festivais pelo mundo e de aparições em grandes veículos, só faltava a distribuição: esta tem vindo a materializar-se em países como Suécia, Espanha e, brevemente, nos Estados Unidos – onde tenta-se uma estreia em sala antes do Video-on-Demand.

Nada mal, considerando-se que na América do Norte a circulação da obra foi dificultada pelo que o realizador considera o seu maior erro estratégico em relação ao projeto: rodá-lo a preto-e-branco.

“Não era um projeto fácil de vender, tem atores desconhecidos, uma narrativa não linear, é falado em português. Mas isso acaba por ser ultrapassável, mas não o preto-e-branco, que quase inviabilizou o filme na América. Os distribuidores lá acreditavam que depois não se conseguiria vender para os canais de TV. Isto é algo que já sei que não poderei fazer no próximo projeto”, assume José Pedro Lopes.

E este, já existe? Ainda não. “Não é fácil ter que tratar de tudo sozinho!”.

E depois do mundo... Portugal

“É uma alegria muito grande que a Legendmain tenha decidido investir no filme, até porque é uma distribuidora comprometida com a qualidade”, salienta o realizador.

E o público, vai reagir?

“Bom, é uma incógnita, mas espero que se interessem por ver uma proposta de cinema português muito diferente da habitual. Aliás, sem apoio do ICA, é um verdadeiro ‘indie’”, finaliza.

Trailer.

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