Em toda a história do cinema, dificilmente se encontra qualquer série de filmes em que todas as parcelas sejam igualmente elogiadas pela crítica e pelo público como a saga “Toy Story”. Ainda por cima, trata-se de um caso raro em que os quatro filmes, lançados entre 1995 e 2019, valem por si só e podem ser vistos isoladamente, embora, naturalmente, beneficiem das referências e piscadelas de olho para quem os acompanhe desde sempre.
Mas além do exemplo de mestria narrativa e de empatia com os espectadores, a saga tem também uma importância fundamental na história do cinema, nomeadamente o primeiro “Toy Story – Os Rivais”, que chegou aos cinemas a 19 de novembro de 1995: a de ter provado a validade da animação por computador, que acabaria por substituir o desenho animado nas preferências dos espectadores e que hoje domina o espectáculo cinematográfico.
“Toy Story – Os Rivais” foi um marco: a primeira longa-metragem totalmente feita em animação por computador, que teve a inteligência de colocar a tónica nas emoções das personagens e conseguiu fazer do cowboy Woody, do astronauta Buzz Lightyear e dos demais brinquedos figuras icónicas e inesquecíveis da Sétima Arte.
Por trás de tudo isto, claro, estava a Pixar, criada em 1979 como divisão da Lucasfilm e individualizada em 1986, como parcela da Apple (sendo mais tarde, em 2006, plenamente integrada na Disney).
Nesses primeiros tempos, a ideia era provar que a animação por computador era não só possível como relevante, e as primeiras curtas -metragens realizadas foram nesse sentido: “Luxo Jr.”, com o candeeiro que se tornaria o símbolo do estúdio, seria nomeado para o Óscar em 1986, e “Tin Toy” conquistaria a estatueta dourada de Melhor Curta-Metragem de Animação em 1988, a primeira de sempre para uma animação informática (e cujo brinquedo de lata protagonista, curiosamente, regressará agora aos ecrãs em “Toy Story 4”).
Nos próprios filmes de desenho animado da Disney, os efeitos informáticos já iam fazendo o seu caminho, desde os mecanismos do Big Ben em “Rato Basílio, o Grande Mestre dos Detectives” (1986), ao salão de baile de “A Bela e o Monstro” (1992), incluindo a fuga da caverna em “Aladdin” (1992), ou a debandada dos gnus em “O Rei Leão” (1994).
Não obstante, uma longa-metragem 100% feita por computador era um risco nunca visto no cinema, semelhante ao que o próprio Walt Disney tinha ultrapassado em 1937 com “Branca de Neve e os Sete Anões”, que foi então a primeira longa-metragem em desenho animado da história do cinema.
Como tudo começou...
John Lasseter, que realizara “Luxo Jr” e “Tin Toy” e era o maior defensor das potencialidades da animação informática, aplicou tudo o que aprendera com alguns dos animadores mais experientes da Disney e injetou no filme a noção de que a história e as personagens eram mais importantes que todas as pirotecnias visuais que a nova técnica permitia.
Assim, juntamente com nomes como Andrew Stanton e Pete Docter (o primeiro que realizaria depois “À Procura de Nemo” e “Wall-E” e o segundo “Monstros e Companhia”, “Up – Altamente” e “Divertida-Mente”), criaria um argumento assente na premissa de que os bonecos ganham vida quando os humanos não estão a ver, centralizado na relação entre Woody e Buzz e na sua disputa pela preferência do dono dos bonecos, Andy.
O elenco principal tal como agora o recordamos já estava presente: o tiranossauro medroso Rex, o lacónico Porquinho, o desmontável Sr. Cabeça de Batata, o cão de mola Slinky e a pastorinha Bo Peep.
A produção teve imensos avanços e recuos, como é próprio de projetos revolucionários, e acabou por estrear em novembro de 1995, sendo acolhida por um coro unânime de críticas positivas e um enorme sucesso de público, que se apaixonou pela ternura e sofisticação da história dos dois bonecos com as vozes de Tom Hanks e Tim Allen.
Por essa altura, o Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação ainda não tinha sido criado mas “Toy Story” seria não só nomeado às estatuetas de Melhor Argumento Original, Melhor Banda Sonora e Melhor Canção (pelo já clássico “You’ve Got a Friend in Me”), como teria direito a um Óscar Especial, extra-competição, pela criação da primeira longa-metragem de animação por computador, que foi entregue a John Lasseter.
O sucesso do filme foi tal que deu origem ao "boom" da animação informática que ainda hoje vivemos, e que acabaria por suplantar em popularidade o desenho animado tradicional nas preferências do público.
O que veio a seguir
O êxito do primeiro "Toy Story" também lançou a ideia de uma sequela. O projeto inicial era fazer um filme diretamente para o mercado de “home-video” sem passar pelas salas de cinema, mas os executivos da Disney terão ficado tão impressionados com a qualidade do que iam vendo que resolveram apostar na ampliação do orçamento e na estreia em sala de cinema.
"Toy Story 2 - Em Busca de Woody" foi um sucesso gigantesco, unanimemente considerado melhor que o original e habitualmente colocado nas listas das melhores longas-metragens de animação de sempre.
Nos anos seguintes, a Pixar acumularia obra-prima atrás de obra-prima, de “Monsters Inc – Monstros e Companhia” a “Up – Altamente”, passando por “Ratatui”, “The Incredibles – Os Super-Heróis” e “Wall-E”.
Em 2010, "Toy Story 3", com John Lasseter a legar a cadeira de realizador a Lee Unkrich, que já tinha co-realizado “Toy Story 2", foi um sucesso esmagador, bateu recordes de bilheteira e foi gloriosamente recebido pela crítica.
Mais ainda, e inesperadamente, “Toy Story 3”, além das muitas gargalhadas que provocou, fez também correr muitas lágrimas de comoção entre os espectadores: a história envolvia a ida de Andy para a faculdade, a ida acidental dos brinquedos para um centro de dia e a tentativa de regresso a casa, com a angústia do garoto já ter deixado as brincadeiras para trás.
"Toy Story 3" representou verdadeiramente um fechar de ciclo, com os brinquedos a mudar de mãos, e foi um sucesso colossal, tendo sido conquistado o Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação e de Melhor Canção Original (para “We Belong Together”, de Randy Newman, o compositor habitual da série).
Em 2019, "Toy Story 4", realizado por Josh Cooley, que foi um dos artistas de “storyboard” de outros títulos da Pixar, marcou o reencontro com Bo Peep, a pastorinha que surgira nos dois primeiros filmes e desaparecera no terceiro, agora convertida em heroína de ação, e o surgimento de algumas novas personagens, a principal das quais foi Garfy, um garfinho que foi transfigurado num brinquedo e tem uma crise existencial sobre a sua condição. É quando este foge e os brinquedos vão à sua procura que a aventura começava.
Este quarto capítulo recebeu também o Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação, tornando-se "Toy Story" a primeira saga a ganhar esta categoria mais do que uma vez.
A Pixar sinalizou que era mesmo o último e vai passar a concentrar-se em filmes originais a partir de agora. Mas um produtor prevenido recordou que o estúdio sempre tratou cada filme como o primeiro e o último que ia fazer.
Mas o legado está feito: nos últimos 25 anos, Woody, Buzz e companhia têm tido o condão de marcar de forma indelével o cinema, e as suas aventuras têm ficado gravadas na memória coletiva de gerações e assim vai continuar.
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