A HISTÓRIA: Dos produtores do fenómeno global "Às Cegas", chega agora "Às Cegas: Barcelona", uma expansão do filme que cativou os espetadores em 2018. Depois de uma força misteriosa ter dizimado a população mundial, Sebastian tem de sobreviver nas ruas desoladas de Barcelona. À medida que forma alianças instáveis com outros sobreviventes e tenta fugir da cidade, uma ameaça inesperada e ainda mais sinistra vai crescendo.

"Às Cegas: Barcelona": disponível na Netflix a partir de 14 de julho.


Crítica: Francisco Quintas

“Às Cegas” (2018), realizado por Susanne Bier, foi um dos títulos originais mais “clicados” da Netflix. A sua veloz popularidade adveio de fórmulas sólidas e de uma premissa com início num cenário apocalíptico, nomeadamente um grupo de personagens diversificado e o facto de o principal antagonista, uma revoada de monstros invisíveis, jamais aparecer em câmara.

Não obstante contornos narrativos questionáveis, o filme, baseado no romance homónimo de Josh Malerman, foi sustentado em força por Sandra Bullock, cabeça de um elenco carismático e de um drama individual complexo.

“Às Cegas: Barcelona”, este 'spin-off' cujos eventos se enquadram nos do primeiro filme, pode beneficiar do alcance internacional e descentralizado que fornece a plataforma de streaming. Afinal, o fim do mundo não toca apenas os EUA. No entanto, não se pode dizer com firmeza que tenham sido explorados novos terrenos dentro do universo em questão.

Enquanto o coração do filme de 2018 se baseava num comentário sobre parentalidade e sobre a impotência de proteger um filho num mundo perigoso e misterioso, a sequela realizada pelos irmãos David e Àlex Pastor, autores de “A Vida que Mereces” (2020), outro original da Netflix, debruça-se sobre uma forte carga religiosa, vagamente sentida no antecessor. Ninguém sabe a génese das violentas criaturas – extraterrestres, biológicas ou divinas – e muscula-se uma guerra conhecida entre iluminados e descrentes: “quem vê” contra “quem não vê”.

No entanto, o segundo “Às Cegas” comete traiçoeiras decisões, que lhe apunhalam os pontos mais interessantes. A começar pela montagem, que optou, outra vez, por acompanhar duas linhas cronológicas que matam o suspense antes de este se edificar. Afinal, o espectador não teme acontecimentos que já sabe que acontecerão.

Esta aposta é ainda mais condicionada pela maneira ziguezagueante como o percurso do protagonista foi escrito. As suas ações surpreendentes e reprováveis são colocadas em cheque desde o início, dificultando um natural processo de compreensão e empatia. É verdade que, mais à frente, podemos conhecer o que o motiva e em que estado de alma é que se encontra. Pena que tudo exista como se de um arco de personagem derivada se tratasse.

O terror psicológico tem já a barreira da repetição a superar – quando as situações conhecem idênticos desenrolar e desfecho, deixa de funcionar tão bem –, e a dupla de realizadores e guionistas recicla diversos utensílios criativos e técnicos para elevar a ansiedade, que acaba por murchar. Dois deles são os efeitos visuais defeituosos e uma câmara desnorteada e desnecessária, com o objetivo de imaginar o ponto de vista das criaturas.

Para salvar cada bloco intervalado de um tédio inelutável, o elenco é mais que funcional. Mesmo manchado por um papel indeciso entre herói e anti-herói, Mario Casas tem uma entrega emocional notável, conseguindo manter o espectador investido. Georgina Campbell vem balançar com uma doçura bem-vinda a crueldade e desconfiança de uma sociedade caída em ruína, características retratadas por personagens secundárias unidimensionais, carne para canhão. Ou para as feras, neste caso.

Em geral, a dinâmica coletiva, de novo, fisga a atenção, exceto quando o guião requer, sem grande lógica, que as personagens violem as regras inquebráveis do mundo onde reaprenderam a viver e onde as conveniências mais simpáticas surgem a preceito da preguiça dos criadores.

Neste momento, os criadores, sejam eles quem forem, do terceiro “Às Cegas” já anunciado e sem detalhes conhecidos, têm a tarefa menos árdua até agora: ir além do manual pouco imaginativo do primeiro filme e livrar-se da mediocridade do segundo. Tiremos as vendas e vejamos.