A HISTÓRIA: Neste emocionante filme de mistério, uma sequência de eventos sinistros conduz um trio improvável John, Boyega, Teyonah Parris e Jamie Foxx pelos meandros de uma arrepiante conspiração governamental..

"Clonaram o Tyrone": disponível na Netflix a partir de 21 de julho.


Crítica: Francisco Quintas

“Foge” (2017), escrito e realizado por Jordan Peele, colmatou um progresso que o género da ficção científica necessitava há alguns anos. Apesar de ser conhecido o feliz casamento entre narrativas satíricas e premissas cerebrais, com foco em inovações tecnológicas, fenómenos sobrenaturais e conspirações, o famoso humorista e guionista de televisão propôs uma receita revigorante.

Pelos olhos esbugalhados do protagonista Daniel Kaluuya, o espetador conviveu com os maiores receios do cidadão negro suburbano, despertados por uma elite milionária de extrema-esquerda que visava apoderar-se do seu corpo, de alegada constituição física superior, para fins macabros.

Nesta moderna prateleira de hipérboles morais, com possante inspiração em ácidos sketches de comédia e nas raízes culturais dos guetos afro-americanos (música, cinema, indumentária, linguajar, etc.), “Clonaram o Tyrone” mostra-se um herdeiro desta vindoura tradição.

Décadas após se empregar inúmeros realizadores de determinadas faixas etárias e classes sociais, justiça seja feita, é agradável ver os estúdios a abraçar projetos autorais de caras novas. Neste caso, a de Juel Taylor, na sua primeira longa-metragem.

Com influências assumidas em clássicos como “Eles Vivem” (1988), de John Carpenter, e “O Feitiço do Tempo” (1993), de Harold Ramis, Taylor concebeu, em conjunto com o companheiro de escrita Tony Rettenmaier, uma homenagem à corrente de “Blaxploitation” – um “cinema negro”, resultante da segregação étnica dos anos 70 –, com elementos mesclados de terror psicológico e humor absurdista.

A estética da criação de mundo evidencia isso mesmo. Embora visando a identidade de um bairro da atualidade, a direção de arte e o guarda-roupa têm um cabimento clássico, nostálgico, recusando migrar para o futuro. Já a fotografia, com mobilidade técnica, tons dourados e a rispidez de uma falsa película, só é prejudicada pelo excesso de escuridão em várias cenas. Almejando uma atmosfera de ameaça e mistério, acabou por se ofuscar o glamour adjacente e até a prestação dos atores.

They Cloned Tyrone

O elenco, aliás, é a ferramenta mais maleável e segura. A dinâmica bem-humorada e impulsiva do trio principal combate a falta de originalidade do filme. Arriscando descurar-se o que foi dito anteriormente, há que reconhecer, por outro lado, que o ponto de partida de “Clonaram o Tyrone” não esconde um leque de evidências, que afeta o desenrolar da respetiva trama – até o título revela mais do que seria aconselhável. Aquilo que é descoberto e confrontado já foi feito antes e melhor, por Jordan Peele e outros tantos. Em suma, as reviravoltas tornam-se desinteressantes com facilidade.

Além destes descuidos, a história é denegrida por um protagonista com pouca parra. John Boyega, por seu lado, é um ator numa interessantíssima mutação e evolução, à procura de uma identidade artística. Já a personagem, imprudente e reservada de natureza, tem um desenvolvimento inercial.

Em contraste com a personagem principal, por vezes, inacessível, Teyonah Parris e Jamie Foxx estão bastante engraçados e ágeis numa fuga dos arquétipos que lhes são entregues. Kiefer Sutherland, no entanto, é um ator jogado ao desperdício, escolhido na urgência de pintar um rosto antagónico com direito a um momento de exposição.

Não obstante diversas sequências tensas e divertidas, o comentário sociopolítico de “Clonaram o Tyrone” é costumeiro e previsível, julgando-se chocante na hora errada. O realizador bem que exibe controlo audiovisual e uma virtuosa direção de atores, mas algo mais era necessário para resgatar o filme de um lamentável oblívio dentro do catálogo de originais da Netflix.