A HISTÓRIA: Howard Ratner (Adam Sandler) é um joalheiro carismático de Nova Iorque que anda sempre à procura da próxima grande aposta. Quando faz uma série de apostas chorudas, que podem vir a ser a sorte da sua vida, Howard tem que tentar manter o equilíbrio entre a sua vida familiar e profissional e os adversários, que lhe surgem de todos os lados, na sua demanda incansável pela vitória derradeira.


Esta é a Nova Iorque pintada com as habituais aguarelas dos irmãos Safdie, nisso não há dúvidas algumas. A “Big Apple” novamente transformada numa selva de asfalto onde a lei do mais forte se faz ditar pelas suas ruas multiculturais e na imensidão humana. E onde os “necrófagos” pairam aguardando pela sua oportunidade de inverter a pirâmide hierárquica deste pesadelo.

Dentro deste leque de “come-restos” e oportunistas humanos está Howard Ratner, um joalheiro que acaba de adquirir a sua grande opala, pedra preciosa vinda da Etiópia, ainda banhada pelo sangue dos sacrificados, sem saber que esta será a início da sua derrocada.

Guiados neste turbilhão por um Adam Sandler submetido a um tratamento “safdiano”, olhamos, julgamos e, sobretudo, prezamos pela decadência humana que envolve o protagonista durante os seus esquemas e artimanhas, sejam profissionais ou afetivos.

Tudo em "Diamante Bruto" é acelerado, como uma força energética omnipresente que nos apressa a julgar ou sentir empatia por esta personagem que aguarda o seu micro-apocalipse. Uma mistura de trágico e comédia é aquilo a que a vida de Ratner é reduzida, uma longa piada de contornos nefastos e até mortais.

O filme é assim, frenético, desarrumado (a câmara guerrilheira parte somente como uma testemunha ocular) e sem compaixão pelos seus personagens, humilhados perante uma prolongada malapata, signo tão recorrente no cinema de Ben e Josh Safdie. Nisso não devemos negar, foi emprestado de Martin Scorsese e o seu muito influente “Nova Iorque, Fora de Horas”, carregando a negrito na lei de Murphy de que se o que possa correr mal irá correr mal na pior altura possível.

E quanto a Adam Sandler? A grande ausência nas nomeações dos Óscares? Confessamos que não há nada de novo na interpretação, é igual a todos os registos da sua corrente de comédias. Só que aqui os Safdie colocam essa sua "persona" num ambiente propicio às suas vertentes dramáticas e ele camufla-se neste cinema, com esta cidade, com esta vinculada má sorte de que anseia sair.

Sandler converte-se num farrapo, num destroçado velcro vazio, egoísta e auto-destruidor, e nisso encontramos uma face insólita nesta estrela que costumamos associar ao “mau cinema” (salvo os raros momentos em que sai das comédias tontas ligadas ao ego, em filmes de Paul Thomas Anderson, Noah Baumbach e James L. Brooks).

Por outras palavras, o grande impasse do ator noutros filmes é o seu envolvente ego, aqui diluído com a essência imposta pelos realizadores.

Vale a pena prestar ainda atenção à banda sonora desproporcional, que se assume como uma intrínseca anarquia dentro da ação. Os irmãos Safdies são realizadores de caos citadinos e, ao mesmo tempo, artesãos sincronizados com o sonoro, essa musicalidade que acompanha os personagens como uma narrativa à parte. A música não encaixa na psique do filme, soa com uma narrativa à parte e independente do que estamos a ver, seduzindo as personagens e desafiando os espectadores.

Afirmação de uma identidade cinematográfica gerada pela independência de um cinema marginal em contra-corrente dos marcos "hollywoodescos", “Diamante Bruto” confirma Safdies como os mais passivo-agressivos realizadores norte-americanos do momento. Sem com isto insinuar um menosprezo, longe disso: estão entre os grandes autores do outro lado do oceano, na reinvenção artística e até na direção de atores, como os maiores admiradores das encruzilhadas da alma humana.

"Diamante Bruto": disponível na Netflix a partir de 30 de janeiro.

Crítica: Hugo Gomes