Exército dos Mortos
A HISTÓRIA: Após um surto zombie em Las Vegas, um grupo de mercenários aposta todas as fichas numa jogada arriscada: entrar na zona de quarentena e realizar o maior golpe de sempre.
"Exército dos Mortos": disponível na Netflix a partir de 21 de maio.
Crítica: Hugo Gomes
Em jeito de gozo, poderíamos garantir que "Exército dos Mortos” é um “Fantasmas de Marte” de John Carpenter, mas com zombies … e sem Ice Cube (em compensação, temos um tigre "zombie"). E se esse filme de em 2001 bebia das inspirações de Howard Hawks e o seu “Rio Bravo” (1959), a nova incursão de Zack Snyder (“Liga da Justiça”) tem a influência espiritual dos westerns com a velha fórmula dos “civilizados” contra “selvagens”.
Não vale a pena querer fazer de "Exército dos Mortos” mais do que aquilo que é, um divertimento de Snyder (visto o filme ser uma ideia original dele) que tem o pretexto de regressar às suas origens, aos mortos-vivos propriamente ditos do seu bem-sucedido “O Renascer dos Mortos” (2004), que era uma nova versão do "Zombie - A Maldição dos Mortos-Vivos", de George A. Romero (1978).
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Mas também não esperemos encontrar aqui mais uma sequela, tal como, aliás, Romero, esse “rei dos zombies”, nunca fez, criando sempre história próprias que faziam parte do universo projetado e putrefacto iniciado pelo seu incontornável "A Noite dos Mortos-Vivos" (1968).
De facto, quando hoje estamos altamente viciados na "continuidade" e partilha de "franchises", “Exército dos Mortos” não desfaz as criações de 2004 e ainda persiste em ideias deixadas por Romero (como a do “zombie inteligente” e animalesco, que vai de “Dia dos Mortos” a “Terra dos Mortos”). Passando a “bola”, Snyder apresenta em duas horas e meia o que será o primeiro morto-vivo "mainstream", isto é, o que pode ser o sub-género do terror com investimento de um "blockbuster", cortesia dos milhões e milhões da Netflix.
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Cruzamento as réstias do western sofisticado e do filme de golpe (o "heist movie"), este musculado “comboio-fantasma” aplica-se com um ritmo trabalhado nos trambolhões das regras do "cinema pipoca". Mas o nosso realizador não é um tarefeiro e basta ter visto o peso “insuportável” dos estúdios com quem trabalhou por exemplo nas suas incursões pela DC Comics (“Watchmen” incluído) para perceber que estamos a ver aqui o trabalho de um artesão que resiste às pressões para concretizar a sua visão e expressar uma assinatura artística. Mesmo que mais contida para servir primordialmente a narrativa e não a estética, e até com subtis apropriações que podemos já ligar ao fenómeno COVID-19.
Pode-se dizer o que quiser, que “Exército dos Mortos” é mera chapa do atual cinema "industrial". E sim, também é isso. Mas com a liberdade total de que aqui dispôs, Zack Snyder provou ser mais coerente, enquanto autor "pipoqueiro", do que Michael Bay com o mirabolante e febril (não consigo arranjar mais adjetivos) “Underground 6”, também para a Netflix. Temos aqui cinema de milhões lubrificado e requintado, com o gozo suplementar de descobrir Matthias Schweighöfer a romper com o estereótipo "comic relief" da sua personagem. É um pequeno “achado”.
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