A HISTÓRIA: Um pai rabugento de meia-idade e os seus dois melhores amigos chegam tarde à paternidade chocam com infantários, 'millennials' e tudo o que foi criado depois de 1987.

"Os Cotas": disponível na Netflix a partir de 20 de outubro.


Crítica: Francisco Quintas

Não são poucos os artistas de 'stand-up comedy' que conseguiram, com sucesso, migrar para a cadeira de realizador, passando a dirigir uma equipa inteira, a escrever as próprias histórias e vestir a pele de alter-egos destinados a verbalizar (ou cuspir) as suas idiossincrasias e azedumes pessoais.

Os casos mais citáveis serão os de Mel Brooks e Woody Allen, aos quais sucederam nomes como Louis C.K., Ricky Gervais e Ben Stiller, com a entrada de "Os Cotas" no catálogo da Netflix, uma das principais plataformas de especiais de 'stand-up' contemporâneo, a oferecer a estreia de Bill Burr em cinema.

O seu humor é conhecido: um homem de meia-idade disserta em palco sobre, entre outras coisas, uma coletividade de jovens pais de uma ultra sensibilidade, residentes de uma América pós-liberalismo social e económico, que poderá estar a despreparar os mais novos para as adversidades da vida adulta. Por outras palavras, a criar uma geração de bananas.

Bobby Cannavale, Bokeem Woodbine e Bill Burr

“Os Cotas”, por conseguinte, aparenta ser o filme que Bill Burr mais terá desejado fazer nos últimos anos, após tornar-se pai pela primeira vez quase aos 50 e bater de frente com progressos e retrocessos. Talvez mais retrocessos, diria Jack Kelly, o seu homólogo fictício, um velho rabugento e impaciente, alvo recorrente da tendência de cancelamento de discurso das novas gerações.

Posto isto, muito se diverte o ator, guionista e realizador a satirizar o novo que olha para o velho de modo condescendente. Mas é justo afirmar que efetua o mesmo sobre os seus traços mais deploráveis, os defeitos persistentes, os demónios, os traumas e uma tendência para a desresponsabilização pessoal.

Servirá isto para dizer que, não desfazendo um largo número de sequências muito engraçadas, o maior problema d´“Os Cotas” é um desequilíbrio de tom, de tão variadas que são as suas intenções. Depois de um primeiro ato bastante organizado e promissor, o segundo oscila durante um tempo considerável entre comédia repentina e drama familiar. A história tem uma carga emocional transparente, mas o erro comum acaba por sacrificar o humor que Bill Burr nos promete.

Além disso, nem todas as personagens beneficiam de um tratamento consentâneo com o seu arco dramático. Bobby Cannavele e Bokeem Woodbine, dois terços de um grupo de amigos com uma ótima química, conhecem resoluções algo apressadas e rudimentares, estendendo-se este desleixo às respetivas cônjuges em tela grande. A exceção é Katie Aselton, que interpreta a esposa de Burr.

Apesar de despojado de grandes ambições técnicas, valha-nos “Os Cotas” por contar uma história bem-humorada e descomplicada, com uma pontual originalidade, um elenco empenhado e uma moral positiva. Previsível, mas positiva.