O Culpado
A HISTÓRIA: O filme decorre ao longo de uma manhã num centro de atendimento de chamadas de emergência. O telefonista Joe Baylor (Jake Gyllenhaal) tenta salvar uma pessoa em perigo que lhe liga, mas cedo descobre que nada é o que parece ser, e que enfrentar a verdade é a única forma de escapar.
"O Culpado": disponível na Netflix a partir de 1 de outubro.
Crítica: Daniel Antero
Após tantos meses com necessidade de escapismo e vastidão, a Netflix lança um filme com todos os contornos de quarentena: claustrofobia, emoções à flor da pele, pensamentos tendenciosos e sentimentos enviesados são algumas das características presentes neste “O Culpado” protagonizado por Jake Gyllenhall.
"Remake" do intenso e sinistro homónimo filme dinamarquês de Gustav Möller, “O Culpado”, escrito por Nic Pizzolatto ("True Detective") e realizado por Antoine Fuqua ("Dia de Treino", "The Equalizer") é "quase" uma versão fiel do filme submetido pela Dinamarca aos Óscares em 2018.
"Quase"... pois algo se perdeu neste exercício de americanização ao procurar garantir que os pontos nevrálgicos da emoção seriam atingidos e com a aplicação de truques baratos para acelerar a nossa empatia com o protagonista.
Neste caso, enquanto “O Culpado” dinamarquês e o seu ator Jakob Cedergren nos prendiam com um controlo frio e meticuloso, que nos revirava as entranhas brutalmente na hora da grande revelação, "O Culpado" americano de Fuqua, Pizzolato e Gyllenhall é sensacionalista em 'loop', com gestos largos e olhos ensanguentados, vibrando com a gestão de crises nervosas e picos de adrenalina.
Para isto, muito conta o estilo de interpretação de Gyllenhaal como Joe Baylor: num filme onde só o vemos a ele, muitas vezes em grande plano dos olhos, da boca ou dos dedos, e onde só sabemos o que ele ouve, os seus gestos e tormenta são catalisadores para a nossa dúvida e desconfiança sobre a sua capacidade de julgamento.
Com a sua vida familiar a desmoronar-se e uma sessão de tribunal agendada para breve, rapidamente se percebe que Joe se encontra com os nervos em riste. Algo que dará azo à imprudência e à avaliação tendenciosa dos factos quando recebe um telefonema de Emily (Riley Keough), que diz encontrar-se numa situação de rapto.
Assim, condicionados pela perspetiva limitada da personagem; a falta de contexto do argumento de Pizzolato, que economiza na psique de Joe e excede-se nas pontas soltas para deixar Jake brilhar; e pelo excesso de ritmo de Fuqua, que explora como pode os sons e os alarmes próprios deste "call center" de emergências; enquanto acompanhamos as ações de Joe para salvar a mulher... em vez de envolvidos e entusiasmados, estamos a ser "encaminhados" de forma óbvia para a reviravolta pendente na narrativa de Emily.
O resultado final até pode ser muito semelhante, mas o caminho propulsivo para o desatar dos nós do estômago não é tão dilacerante como no original dinamarquês, que merece ser valorizado. Com o efeito surpresa a desvanecer-se e o grande momento de revelação ofuscado e a falhar o alvo, este “O Culpado” peca pelo sangue que ferve e pela cacofonia do seu melodrama.
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