A HISTÓRIA: Somerset (Morgan Freeman) é um detetive a uma semana da reforma. Mills (Brad Pitt) é um detetive jovem e ansioso por tomar o seu lugar. No entanto, ambos vão acabar juntos a resolver o caso de um assassino em série meticuloso que mata as suas vítimas de acordo com os sete pecados mortais.
Crítica: Filipa Moreno
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Em 1995, David Fincher precisava de provar que era relevante no mundo do cinema [após a mal recebida estreia com "Alien 3 - A Desforra"]. O argumento de Andrew Kevin Walker foi o rastilho de uma carreira onde “Seven - Sete Pecados Mortais” ainda é apontado como obra-prima.
David Fincher conta que, depois da primeira apresentação de "Seven" ouviu críticas duras. Não é difícil imaginar a receção do grande público a uma história onde um "serial killer" se inspira nos sete pecados capitais. Mas há melhor ponto de partida do que uma mistura entre os recantos mais escuros da mente humana e as imagens religiosas?
Mills (Brad Pitt) e Somerset (Morgan Freeman) são detetives na esquadra de uma cidade americana (não se sabe qual), onde chove durante quase todo o filme. O primeiro é novato, entusiasta, tem o sangue na guelra. O segundo está a poucos dias de se reformar, quando lhes chega a investigação ao primeiro de uma série de assassinatos: um homem obeso foi obrigado a comer até os seus órgãos rebentarem. O crime revelou um mote: a gula.
Depressa se apercebem de que o autor dos assassinatos está a seguir os “Sete Pecados Mortais”, com o tema religioso a saltar para o centro da história e obras como “A Divina Comédia”, de Dante, a serem referidas como fonte de inspiração. São encontradas as vítimas de preguiça, luxúria, avareza e soberba.
O resto da história conta-se através das escolhas técnicas de David Fincher. Em “Seven - Sete Pecados Mortais”, parece ser um realizador que pretende anular-se. Aposta nos movimentos naturais da câmara, a seguir as deslocações dos atores, para criar proximidade instantânea com quem está do outro lado do ecrã. Quando Brad Pitt se levanta da sua secretária na esquadra, a câmara sobe. Mas ele hesita e a câmara volta a descer.
David Fincher quer levar-nos para dentro das personagens. E consegue fazê-lo ao sugerir aos nossos olhos a que devem prestar atenção. O realizar aponta-nos claramente o ponto de vista através do qual estamos a assistir à narrativa. Na viagem até à cena final, o serial killer fala atrás das grades do carro dos detetives. Mills está em cheque nessa cena e é o olhar dele que nos é dito para acompanharmos.
Mas David Fincher também quer cegar-nos. Dá-nos apenas a quantidade de informação de que precisamos para acompanhar o desenrolar da história. É por isso que o filme se passa em ambientes escuros. São poucos os focos de luz nos cenários onde as vítimas são encontradas e, em particular, na casa-refúgio do serial killer. A ideia é deixar-nos, literalmente, no escuro porque os detetives também estão à procura do caminho certo no meio de pistas indecifráveis. É também para acentuar o drama na história que Fincher fez com que chovesse durante quase todo o filme (com exceção da última cena).
Naqueles ambientes escuros, é impossível notar todos os pormenores das cenas – e são tantos, especialmente nos locais dos crimes. Quando é descoberta a vítima de preguiça, há uma constelação de ambientadores em forma de árvore pendurados no teto. E as marcas na pele da personagem, amarrada a uma cama, e descrita pela equipa de polícias como se parecesse um boneco de cera, são mesmo objeto de um "close up".
Já a casa do "serial killer" é uma representação da mente do criminoso, com dois mil diários escritos (à mão pela equipa de Fincher) a retratarem os pensamentos do assassino. Há fotografias reveladas na banheira e penduradas a secar. Há estátuas de figuras religiosas. Há recortes colados nas paredes. Em todos os detalhes, encontra-se uma preocupação constante de construir no espectador (sempre com subtileza) a imagem do "serial killer". Não sabemos quem é. David Fincher nem quis que os créditos iniciais revelassem quem o interpreta.
E isso não importa, na verdade, até que ouvimos a sua voz ao telefone, já estamos em quase metade do filme. Surpreendeu-nos o horror dos cenários onde são encontrados os cadáveres. E começamos a esperar com expectativa o momento em conhecer finalmente o autor dos crimes.
A revelação desilude, mas apenas porque Kevin Spacey parece ter sido escolhido demasiadas vezes para o papel de vilão (como em “Os Suspeitos do Costume”, do mesmo ano). Como o "serial killer" de “Seven - Sete Pecados Mortais”, que nunca chega a ter outro nome além de John Doe, Kevin Spacey é exímio na sua personagem maquiavélica. Não retirando mérito ao ator, também não seria muito difícil atingir a excelência do papel porque David Fincher vai criando a dimensão da violência de que o assassino é capaz na mente do espectador.
Com exceção do disparo da arma de Mills, na última cena, não há momentos de violência ativa no filme. Mas nem por isso deixa de ser um filme violento, porque o estado em que os cadáveres são encontrados é testemunho do plano diabólico engendrado e cria no espectador a sensação de perigo iminente.
Por isso, sabemos que algo não vai correr bem a partir daquela última viagem de carro. A personagem de Spacey foca-se na de Brad Pitt. É ele o alvo da sua obsessão. No meio do nada, um estafeta entrega uma caixa de cartão a Mills. Somerset descobre que, lá dentro, está a cabeça decepada da mulher de Mills, Tracy (Gwyneth Paltrow), que estava grávida.
“What’s in the box?” torna-se a frase mais conhecida do filme, cujo final foi considerado pelo estúdio como sendo demasiado forte, mas a equipa de atores fez pressão para que não fosse alterado. É um final forte e fora do típico “tudo acaba bem” de Hollywood. É que Mills mata John Doe, completando os sete pecados capitais. O "serial killer" personifica a inveja, porque confessa ter cobiçado a vida conjugal pacífica de Mills e Tracy. O detetive simboliza a ira, na sua sede de vingança.
“Seven - Sete Pecados Mortais” marcou o percurso de David Fincher num momento crítico da carreira. Mas não é a sua obra-prima. Com o mesmo Brad Pitt e com Edward Norton, “Clube de Combate” (1999) também faz uma viagem aos meandros da mente humana e é mais eficaz nessa missão. É um filme com muito mais ritmo, embora tenha uma dose de violência moderada que aqui é subtil. Mas, acima de tudo, o enredo consegue surpreender mais e a mestria técnica atinge maior sucesso.
Sim, David Fincher aperfeiçoou o relato de narrativas psicológicas e a sua capacidade de contar a história a distrair o olhar do espectador. Parece gostar tanto do tema obscuro da mente humana que foi produtor de "Mindhunter", série da Netflix sobre os primeiros estudos psicológicos do FBI a "serial killers". Também são seus os dois primeiros episódios de "House of Cards" e pode dizer-se que terá ajudado a moldar a personagem de Frank Underwood, a que Kevin Spacey dá vida. E até em “A Rede Social” (2010), parecem ser acentuados os traços psicológicos de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg).
Talvez os psicopatas sejam o ex-libris de David Fincher. E não há nada de errado nisso.
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