Apesar de "True Romance" ser o seu álbum de estreia, Charlotte Aitchison, mais conhecida como Charli XCX, não é propriamente uma novata no universo da pop. Esta britânica de 20 anos já tem no currículo uma mão cheia de singles, EPs, mixtapes, videoclips e até gravou, em 2007, um primeiro álbum não editado e entretanto renegado - o precoce "14" era, segundo a própria, "música terrível para o MySpace".

Talvez tenha sido melhor assim. Talvez a espera tenha feito bem a um nome que, nos últimos anos, tem sabido alimentar a expectativa em relação à estreia com um longa-duração enquanto foi deixando alguns aperitivos pelo caminho (além destes, vale a pena destacar o single "I Love It", a efervescente e bem-sucedida colaboração com as suecas Icona Pop). Nesse jogo de pistas, a internet revelou-se uma boa aliada - agora já não tanto através do Myspace, é certo - e a benção de referências como a Pitchfork só ajudou.

Videoclip de "Nuclear Seasons":

"True Romance" vem cimentar, por agora, um ciclo de edições prolífico que acaba por ter um inconveniente para quem acompanhou a sua autora mais de perto: boa parte do alinhamento repesca canções já divulgadas. De qualquer forma, tendo em conta que alguns dos registos anteriores tiveram uma projeção mais limitada do que a que o álbum pode vir a conseguir, essa familiaridade é um inconveniente facilmente perdoável e compreensível - sobretudo quando até joga a favor de um sortido pop tão apetitoso.

O álbum rouba o título ao esgrouviado filme de Tony Scott escrito por Tarantino, mas aqui a música é outra e parte diretamente das experiências amorosas da britânica. Ainda assim, pede emprestadas várias influências, algumas óbvias: Marina and the Diamonds, com quem Charli XCX tem partilhado palcos e cujo timbre e maneirismos vocais são indissociáveis de temas como "Nuclear Seasons" (ótimo single e arranque certeiro para o disco); Ke$ha, que julgamos ouvir em versos de "You (Ha Ha Ha)" (embora o sample inesperado e bem esgalhado de Gold Panda aponte para outras latitudes); ou a estranheza infecciosa de Grimes, cuja versatilidade tem concorrência à altura num álbum capaz de fintar a tentação EDM de muita pop do momento.

Da lista de figuras tutelares, Charli XCX elege, no entanto, Britney Spears, as Spice Girls ou a menos emblemática Uffie (a quem Ke$ha também deve alguma coisa), nomes que podem ajudar a explicar os ambientes urbanos, imediatos e por vezes resplandecentes do disco. Ao moldar uma pop simultaneamente açucarada e curiosa, orelhuda e desafiante q.b., apontada a palcos mainstream partindo de modelos apreendidos nos nichos, "True Romance" está próximo do álbum que "Electra Heart", de Marina and the Diamonds, não conseguiu ser ou do regresso refrescante e consequente que os No Doubt deixaram passar ao lado em "Push and Shove".

Videoclip de "What I Like":

Do convite (irrecusável) para a pista de dança em "Take My Hand", um dos momentos mais borbulhantes, à etérea e contemplativa "Stay Away", com um ressentimento mais sóbrio do que piegas, passando por "What I Like", celebração cativante de um quotidiano a dois, o alinhamento apresenta-nos uma cantora e compositora versátil, acompanhada por uma produção atenta ao aqui e agora. É verdade que os ocasionais toques góticos são mais maquilhagem do que outra coisa, mas admita-se que em canções como "Black Roses", exemplo de uma synth pop épica, turva e contagiante, os adereços estão no ponto.

No extremo oposto, o hip-hop de "Cloud Aura", colaboração com a rapper Brooke Candy, ou a balada "Set Me Free (Feel My Pain)", pop de linha de montagem, marcam a secção menos sugestiva de um disco com duas ou três canções a mais. Mas vale a pena ouvi-lo até ao fim, até porque se o prato principal já é doce, a sobremesa, então, revela-se especialmente tentadora. A eletrónica circular de "You're the One" e "How Can I" compensa algum desinteresse de faixas anteriores e encaminha-nos para a grandiosidade de "Lock You Up", um mar de sintetizadores em crescendo atravessado por Charli XCX (bem condimentada com segundas vozes) e uma insinuante linha de guitarra, cereja em cima de um bolo delicioso. Face a uma despedida provisória com uma receita tão apurada, esperaremos o tempo que for preciso por mais doçarias desta nova princesinha da pop.