Palco Principal – Em dezembro passado, esgotou o Campo Pequeno, em Lisboa, com um concerto memorável. O que podemos esperar do concerto no Coliseu do Porto, no próximo dia 8 de março?

José Cid – Penso fazer, exatamente, uma segunda edição do concerto do campo Pequeno, ou seja, não vou ter convidados e vou estar três horas ao vivo. Há muitas canções da minha vida que vou ter de cantar e não vou poder deixar para trás. Vou estar sóbrio, sem truques, sem superproduções – apenas com uma grande banda de suporte e um bom som. Quero apenas cantar as minhas canções.

PP – Haverá um destaque especial para o último álbum, “Quem Tem Medo de Baladas” (2011)?

JC – Não. O concerto vai focar-se nas minhas canções de sempre. Todas. Algumas mais antigas, outras mais recentes, e algumas do meu próximo álbum. Por exemplo, no Campo Pequeno interpretei o Menino Prodígio e os Rapazes do Campo e Meninas da Cidade – ambas fazem parte do meu novo álbum, sendo a primeira a faixa-título. Quero, também, aproveitar a celebração do Dia da Mulher nessa noite e cantar o tema Todas as Mulheres do Mundo, em jeito de dedicatória.

PP – Que pormenores pode, para já, adiantar-nos acerca de “Menino Prodígio”?

JC – É um álbum muito rockeiro. As próprias baladas são power ballads. E recuperei para este disco dois temas antigos – Doce e Fácil no Reino do Bla Bla Bla e Lobo Mau. Ficaram extraordinários, completamente atuais, com uma secção rítmica muito forte. Todo o disco tem uma componente muito rock e uma personalidade muito urbana, também a nível de texto, como se pode confirmar, por exemplo, na Aldeia Global e na Ruas da Cidade. Já está a ser gravado, mas talvez não saia já este ano. Possivelmente em 2014…

PP – Cada vez mais assistimos, nos seus concertos, a uma crescente afluência por parte das camadas mais jovens. Considera-se um músico intemporal?

JC – Eu tento ser o mais abrangente possível. Há uns que tentam e não conseguem. E há outros que inventaram essa palavra para definir as suas cançõezinhas, que são tudo menos intemporais ou transversais, embora desejassem que assim fosse. Isso é uma palavra que já está a ser muito usada, é uma palavra muito perigosa. Acaba por ser um alibi. Mas não no meu caso. No meu caso é real. De facto, várias gerações assistem aos meus concertos. Todos se divertem e acompanham a dinâmica a cantar e a dançar. Acho muita piada.

PP – Depois de ter participado, vários anos, no Festival da Canção, e de ter, inclusive, ganhado a edição de 1980 com a canção Um Grande, Grande Amor, assiste ao fim do mesmo por motivos financeiros. Como analisa este término?

JC – Eu acho que o Festival da Canção tem sido um desperdício, mas já há muitos anos que o digo à direção de programas. A forma como o festival se desenrolava era muito enganadora, e os votos do público eram, também eles, falaciosos. Bastava ter um clube de fãs na Internet para se conseguir ganhar o festival e, às vezes, a canção nem o justificava. Na minha opinião, quem organiza o Festival da Canção tem de selecionar os intérpretes, os compositores e assumir a seleção da canção. Tem sido tudo feito ao contrário e com grandes gastos.

PP – Na sua opinião, o que podia ter corrido melhor nas nossas exibições internacionais?

JC – Eu acho que a nossa interpretação devia ir um pouco para o campo daquilo que a Lúcia Moniz e a Inês Santos fizeram, que é o lado étnico. Nós temos uma forma de expressão, um alma portuguesa. É isso que temosde mostrar num festival que é completamente de plástico, altamente artificial, uma autêntica feira de vaidades. Temos que mostrar que somos humildes, que temos uma identidade única e levá-la lá, nem que seja para provocar. Com uma guitarra, uma viola ou um acordeão, mas, acima de tudo, com uma canção.

PP – Dois breves pontos sobre a sua carreira… O primeiro prende-se com o álbum de estreia do Quarteto 1111, que sentiu na pele o efeito da censura, em 1970. Como olha atualmente para essa obra, que foi, de certa forma, silenciada?

JC – A censura era, ao mesmo tempo, inspiradora. Nós, que escrevíamos, recorríamos muito às metáforas e, nesse aspeto, Ary dos Santos conseguiu ser omais hábil. Nós também conseguimos ser habilidosos, contornando bem essa opressão. Porém, o nosso primeiro álbum era demasiado descarado. Era um álbum muito direto e objetivo, abordava a emigração e a questão do colonialismo, portanto não tinha hipótese nenhuma de sobreviver. Vieram, depois, outras obras que conseguiram contornar a censura com metáforas muitíssimo interessantes, como é o caso de Cavalo à Solta e Tourada, do Fernando Tordo, e o meu Olá Vampiro Bom.

PP – Acha que, se não tivesse havido essa censura, esse álbum teria proliferado – digamos assim – no mundo da música?

JC – Não, porque entretanto houve outra censura ao álbum, vinda da minha própria editora. Eles estavam mais interessados em lançar outras coias, feitas dez anos depois, por outros artistas, que tinham igualmente a ver com a temática do meu álbum. Essa editora sempre tratou mal a minha obra, enquanto Quarteto 1111. Gosto sempre de frisar que a Lenda de El-Rei D. Sebastião é só a ponta do iceberg do Quarteto 1111 – agora descubram o resto. Até é bom que se descubra! As novas gerações têm a qualidade de encontrar esse tipo de coisas…

PP – O segundo ponto é relativo à sua carreira a solo e tem a ver com o galardoado “10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”. Este álbum foi considerado, na altura, muito vanguardista para a época em que foi lançado. Considera-se, ainda, um artista inovador?

JC – Eu acho que, se tu ouvires os meus álbuns mais recentes, ainda estou lá. Infelizmente, o “Coisas do Amor e do Mar” e o “Quem Tem Medo de Baladas” foram completamente esquecidos e não passaram na rádio. Mas há neles muita coisa que tem a ver com isso. A questão é procurar. Para espanto meu, vou a uma Fnac ou a uma Worten e não encontro um único álbum da minha carreira. É muito estranho e é quase maquiavélico, sendo eu um dos artistas mais notórios do meu país e que mais trabalha ao vivo. Mas sim, estes últimos álbuns têm, igualmente, muito a ver com o sinfónico e com o étnico.

PP – Teremos, algum dia, hipótese de ver um concerto seu inteiramente dedicado ao “10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”?

JC – Por que não? Os organizadores dos festivais deste país trazem tanta porcaria estrangeira, tão cara, tão impensável… Por que é que não me convidam a mim para tocar o “10000 Anos…” ao vivo? Por acaso, no concerto do Campo Pequeno, não toquei, mas normalmente interpreto sempre uma faixa ou duas desse álbum. Mas, atenção: para mim, não é esse o meu melhor álbum derock sinfónico. Para mim, o meu melhor álbum sinfónico é o “Vida (Sons do Quotidiano)”. Esse, sim, é o mais ousado, o mais surpreendente e, consequentemente, o menos projetado. Tenho outro igualmente interessante, intitulado “Onde, Quando, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas”, e tenho um já escrito, que se chama “Vozes do Além”, que eu hei-de começar a gravar quanto tiver tempo. Talvez lá para 2015, ou quando eu for mais crescido (risos).

PP – Faz, em 2013, 30 anos desde o lançamento do seu álbum “Magia”, que continha um tema com o mesmo nome, no qual cantava “…fiquei preso na tua magia…”. Acha que Portugal ficou preso na sua?

JC – A minha magia é relativa. É mais a minha rebeldia, a minha forma de estar na vida, a minha solidariedade com as causa que defendo, com as pessoas que apoio através de angariações de fundos, de forma a que estas sobrevivam. Indiscutivelmente, eu sou um cantor ao vivo. Posso não passar na rádio, posso não aparecer nas revistas, mas vão ouvir-me em concertos.

PP – É, portanto, essa a sua magia?

JC – Eu fui sempre solidificando a minha carreira com atuações. As pessoas que se deslocavam aos meus espetáculos regressavam a casa agradadas e sentiam que tinham beneficiado de um concerto com o qual não contavam. O facto de eu não ter sido mediatizado durante dez ou 15 anos, fosse em imprensa ou em rádio, e de ter desaparecido durante os anos 90 levou-me a consolidar a minha carreira no exercício ao vivo, onde sempre respeitei as pessoas, as comissões e agi com a maior simpatia e educação. Essa poderá ser a minha magia.

Manuel Rodrigues