O maior transtorno, a juntar-se à listagem prévia dos cancelamentos, traduziu-se no impedimento à atuação dos Death Cab For Cutie. O chão enlameado, a relva escorregadia e a inadequação na indumentária que pôs à prova a criatividade do público apanhado desprevenido, acabaram por revelar-se como males-menores.

Para além do atraso feito sentir na chegada ao recinto, com o mau tempo a acalmar a vontade em chegar ao festival mais cedo, a chuva acabou ser a melhor propaganda que a tenda Club poderia ter tido. Não obstante o facto de se tratar do palco localizado mais proximamente da entrada, o espaço coberto muito rapidamente se converteu em abrigo primordial.

Destas condições beneficiaram os barceloneses Mujeres! e o quarteto londrino Veronica Falls, ao contrário dos Gala Drop, dos The Right Ons e dos Siskiyou, que contaram com uma baixa do povo que habitualmente desfrutou dos concertos de início da tarde, em modo relax, sentado nas toalhas de pic-nic.

Imagina-se que os Veronica Falls não estivessem à espera de uma enchente tão grande, mas demonstraram consciência do muito que terão de agradecer à chuva. De Londres, para além do mau tema, trouxeram-nos temas do primeiro disco e algumas novidades, oscilando entre bases mais animadas (Stephen e Bad Feeling, por exemplo) e atmosferas enegrecidas, cuja densidade ficou atestada pelos coros e pela sobreposição entre as vozes dos dois vocalistas, Roxanne Clifford e James Hoare.

Seguidamente, no Palco Primavera, em substituição do cenário de falsos merendeiros, as toalhas de pic-nic recuperaram a serventia que lhes havia sido dada, aquando dos chuviscos (comparativamente) de quinta-feira, e juntaram-se ao aglomerado de impermeáveis transparentes, guarda-chuvas e tudo mais que pudesse ser tirado das carteiras e facilmente adaptado a abrigo.

Enquanto que os Spiritualized flutuavam no espaço, a união de encapuzados deu o seu melhor no combate contra a chuva, que se foi tornando mais forte. Condizentes, passaram por Lord Let it Rain on Me, de “Amazing Grace”.

No final, o estoicismo de quem se deixou ficar valeu uma salva de palmas por parte de Jason Pierce e compinchas.

Meia hora depois do início da atuação dos Spiritualized, Baxter Dury e os Sleepy Sun tocaram nos palcos Club e ATP, respetivamente.

À hora marcada, o Palco Optimus estava longe de apresentar condições para receber os Death Cab For Cutie, na sua suposta estreia em Portugal. A promessa de uma espera de 45 minutos, enquanto decorriam as limpezas e reforços das instalações, chegou a sossegar, por momentos, o pânico instaurado em todos os fãs que, mesmo assim, não arredaram pé da frente do palco.

No entanto, a desgostosa confirmação, lá acabou por chegar: com um voo para apanhar e outros compromissos profissionais para cumprir, os Death Cab For Cutir viram-se obrigados a cancelar o concerto.

Uma grave falha de organização que, um pouco antes, em conferência de imprensa, havia garantido estar preparada para a chuva que, mais que uma eventualidade, há muito vinha sido meteorologicamente prometida.

Curiosamente, no Palco Club, também a atuação de James Ferraro and the Bodyguard foi cancelada. O mau tempo tem as costas largas, mas nem tanto, constando que por altura do concerto, o músico estaria por localizar. Uma proeza que esperemos que não se repita, hoje à noite, na Sala 2 da Casa da Música.

Com os dois cancelamentos simultâneos, muitos foram os que afluíram até ao Palco ATP, onde para além do acaso os I Break Horses também beneficiaram da paragem da chuva. Dream pop de suporte eletrónico, a aproveitar as réstias de luz de fim de tarde e o descanso tão apreciado dado pelo mau tempo.

Acreditamos que por momentos, enquanto durou a atuação dos Afghan Whigs, o cancelamento da atuação dos Death Cab For Cutie tenha caído em esquecimento.

A bater-se contra Lee Ranaldo, no espaço cuja programação ficara a cargo de All Tomorrow's Parties, e The Weekend (nem tanto, vá), no Palco Club, os Afghan Wings provaram reunir uma devota legião de fãs, que muito saltou e se manifestou ao som de clássicos como Crime Scene Part One, Gentleman e Debonair.

Sob os efeitos luminosos de uma bola de espelhos rodopiante, o mais próximo do público que lhe foi permitido em cima do palco, Dulli trouxe-nos ainda See and Don't See, roubada a Marie "Queenie" Lyons, que corresponde ao primeiro tema lançado pela banda desde que se se voltou a reunir.

Os Kings Of Convenience podem muito bem não ser a Björk, mas auferem de um curioso fenómeno de popularidade, assente muito em parte no carisma “nerd” de Erlend Øye, que faz com que frente a palco se reúnam sempre multidões, por mais que o que nos tenham a apresentar seja, em boa verdade, mais do mesmo.

Na última vez que estiveram no Porto, para um concerto na Sala Suggia, na Casa da Música, relembra-nos Eirik Glambek Bøe, contaram com uma sala esgotada. Aquando deste regresso, numa perspetiva privilegiada em cima do palco, dizem contar com público quintuplicado. Guitarras em dueto, melodias quentes com pitadas bossa nova (influência assumida, que motivou o agradecimento aos nossos “avós”, que colonizaram o Brasil), muito bom humor e charme lançado aos corações das meninas, são uma fórmula repetida, mas infalível.

As canções dos dois primeiros álbuns ( I Don't Know What I Can Save You From, Failure, Homesick) há muito que estão sabidas de cor, e as mais recentes (Me in You, Mrs Cold, Boat Behind) que já contam uns bons anos, entretanto também se hão de ter tornado habituais ao ouvidos dos seus seguidores.

O concerto prossegue, em modo quase silencioso, com o som provindo dos outros palcos a intrometer-se na atuação. O dedo é apontado à “Random Rock Band” (em boa verdade os Wavves, que deram um concerto delirante no Palco Club), a quem dedicaram uma canção improvisada, sobre o assunto.

Conjeturas à parte sobre a tristeza comum entre portugueses e noruegueses, motivadas pela interrogação de Øye sobre o facto dos Kings of Convenience serem tão populares em Portugal, faz-se tempo de mudar o “tom da conversa”, e enganar a dita cuja numa agitação melódica patrocinada pela entrada em cena de uma banda de acompanhamento. Boat Behind, por exemplo, prolonga-se até ao disco-sound, num clima de dança que se mantém até ao fim anunciado, com I'd Rather Dance With You.

O encore não se fez tardar e a despedida mais séria chegou com Know How, que finda nas vozes do público.

Pela mesma altura os Dirty Three atuaram no Palco ATP.

As propostas para o “aquecimento” na espera dos XX seguiram o mote da eletrónica.

Enquanto que o Palco Primavera recebeu os Saint Etienne, a dança fez-se no Palco Club com patrocínio Washed Out. Uma atuação coincidente com o término de digressão

Quem também aufere de uma popularidade surpreendente por terras lusitanas, como já tinha ficado provado aquando do esgotadíssimo concerto no Porto, são os britânicos XX.
O excesso de histeria visível demonstrado a cada hipótese de entrada, acentuou a idolatria generalizada que, mais adiante, deu lugar "ao melhor sing-a-long de sempre".
Temas inéditos, prováveis integrantes do futuro "Coexist", provaram-se similares ao registo de instrumentais minimais e vozes intercaladas do disco de estreia.
Do lado do público os corpos mantiveram-se acelerados, inclusivamente durante a versão mais arrastada de Cristalyzed.

A animação prosseguiu madrugada fora com Demdike Stare, John Talabot e Erol Alkan.

Para o ano há mais, garantidamente, apesar das datas da edição de 2013 do Primavera Sound, no Porto, ficar ainda por definir.

Texto: Ariana Ferreira
Fotografias: Filipa Oliveira