Quem, desde inícios dos anos 1990, se habituou a Lloyd Cole a solo e em modo acústico, é capaz de encontrar algumas surpresas em "Standards", o seu novo e 11º álbum. Pelo menos é o que espera o cantautor, que aponta aqui o seu álbum mais elétrico desde os primeiros tempos das suas edições em nome próprio, depois de se ter separado dos Commotions.
"Acho que estou a pegar na receita que tinha em 1989 e 1990 e a trabalhá-la de outra forma. Estou tão entusiasmado como estava nesses dias. Na altura, fiquei surpreendido por descobrir que conseguia fazer música sozinho, sem uma banda", explica-nos.
De então para cá, o entusiasmo pela música não esmoreceu mas o britânico admite ter-se tornado "cada vez mais invisível", arrumado num nicho no qual não se revê. Daí a necessidade de fazer um disco como "Standards", que "não se preocupa em fazer a coisa certa" e quer levar a voz do seu autor "a todo o lado".
Inspirado por "Tempest", de Bob Bylan, editado no ano passado, "Standards" também quer ser um regresso revigorante com um Lloyd Cole a procurar fugir à sua zona de conforto enquanto recruta algum sangue novo - o seu filho mais velho, William Cole, ou Joan Wasser, mais conhecida como Joan As Police Woman, estão entre os convidados.
Sendo o álbum uma tentativa de viragem, o título acaba por se revelar irónico, mas não pretende dar a entender que estas novas canções são clássicos, assegura-nos o britânico. "Excepto a primeira faixa. Essa, sim, é um clássico", sublinha, referindo-se a "Californian Earthquake", versão do tema de John Hartford, referência da folk norte-americana.
Uma capa muito lá de casa
Embora algumas canções sigam, de facto, pelo tal rumo mais elétrico de que Lloyd Cole nos fala, no geral "Standards" está longe de ser um registo de rutura. Como tem sido hábito nos últimos 30 anos, também aqui encontramos a mesma atenção às palavras e à forma como o britânico as conjuga para nos contar histórias ou fazer confidências, sempre com vista a uma pop literata entrecruzada pela folk, pela country ou - novidade relativa em muitos discos - pelo rock (distante, ainda assim, de qualquer cenário explosivo ou sequer agreste).
Mas as novidades de "Standards" não passam só pela música. Numa altura em que a imagem pode contar tanto ou mais, a capa também teve uma história peculiar por trás. "Queria algo que não tivesse uma fotografia, que fosse só texto. E o título resulta de uma combinação de escrita à mão e letra tipografada, muito simples e direta mas também tátil, para te dar a entender que estás a pegar em alguma coisa que não é um ficheiro digital... mesmo que, em última instância, contenha um ficheiro digital algures", salienta.
Lloyd Cole, melómano pragmático
Mais do que o cuidado com a capa, Lloyd Cole defende - e procura manter - uma preocupação com o formato álbum e com o seu suporte físico. "Quando era mais novo, entusiasmava-me muito comprar um disco, pegar nele, abri-lo... e os downloads não me permitem fazer isso. Além disso, num álbum é suposto que a ordem das canções faça sentido, esse é um elemento importante. A cultura MP3 não só não respeita isso como te encoraja a que não o respeites, desvaloriza a ideia de álbum. Para mim, o álbum ainda é um formato interessante e um desafio, não é só uma coleção de canções que junto de tantos em tantos anos."
Se esta predileção pelo formato álbum pode ser encarada como afeição old school por alguns artistas recentes, o britânico não abraça, no entanto, outra experiência auditiva também colocada em risco e entretanto recuperada. "Não ouço vinyl de todo. Faço discos há tanto tempo que tenho a certeza de que os meus CDs soam tão bem como vinys. Temos isso em conta na masterização. Costumo ouvir música numa aparelhagem normalíssima e sinto-me bem com isso. Não gosto da ideia de fazer música que tem de ser ouvida de uma certa forma. Se quiseres ouvir a minha música numa cassete, não vejo problema nenhum."
Tal pai, tal filho?
Além de ser o single de apresentação de "Standards", "Period Piece" conta com um videoclip em que Cole-pai e Cole-filho dividem o protagonismo. William Cole, o primogénito de Lloyd, partilha a paixão pela música, participa no disco como guitarrista e tem o seu momento de maior visibilidade até agora nestas imagens de que só a mãe parece não ter gostado (conforme é explicado no vídeo acima).
A comparação entre os percursos de ambos é inevitável, como o próprio videoclip acentua e o músico desenvolve: "No início dos anos 80, achava que sabia o que tinha de fazer. Nem sequer considerava falhar porque acreditava que teríamos sucesso se fôssemos bons. Agora preocupo-me com a hipótese de ele falhar, porque acho que ele é muito bom e, olhando para trás, vejo que a confiança que eu tinha em 1983 era a confiança da juventude, não era muito sensata. Tivemos sorte, apenas. Mas ele tem boas ideias, tem uma banda que tenta aprender com a rodagem ao vivo, passo a passo, e criar uma estrutura... acho que essa é a única forma de teres a certeza de que não vais ser um sucesso viral num minuto antes de desapareceres no seguinte".
Apesar do voto de confiança dado ao filho, Lloyd Cole realça que o processo de criação do disco esteve longe de ser ameno: "Ele não consegue deixar de se meter. Estive sempre a dizer-lhe: 'William, este é o meu disco!'. Tentei fazer com que a participação dele no meu disco o divertisse, mas é difícil fazer música. E ele não toca no disco por ser meu filho, mas por ser um ótimo guitarrista. Tem um estilo que me agrada e que achei que faria sentido nestas canções, lembra-me algumas coisas de que gostava no início dos anos 90. O problema é que ele ainda não confia em mim, acha que não escolho as melhores partes que ele toca. Mas eu confio, tenho a certeza de que escolhi as melhores".
Um homem na cidade
William pode ter participado no disco e no videoclip, mas nem ele nem os outros músicos convidados de "Standards" vão estar no próximo concerto de Lloyd Cole em Portugal, marcado para 7 de novembro no Cinema São Jorge, em Lisboa, no âmbito do Misty Fest.
"Faria sentido estar em digressão com uma banda, mas a realidade económica atual torna-o impossível. Talvez venha a acontecer, mas só daqui a seis meses ou no ano que vem. Mas o álbum, para mim, é algo que vale por si, não o fiz com o intuito de o levar para uma nova digressão. E se atuar ao vivo com uma banda, não é para tocar este disco, mas para apostar num espetáculo mais elétrico. Tenho um corpo de trabalho bastante vasto e gosto de o percorrer ao vivo. Quando tocar no Cinema São Jorge, serei só eu em palco com canções de 1984, de 1994, de todas as fases da minha carreira até hoje", avança.
Descontando as novas canções, talvez não venha a ser, então, assim tão diferente do que o concerto que o britânico apresentou no Sintra Misty, há três anos, no Centro Cultural Olga Cadaval. Cole mostra-se satisfeito com a mudança de espaço porque até pode aproveitar para conhecer melhor a capital, mesmo que já a tenha visitado várias vezes nas últimas décadas. "Ao lado de Lisboa, Sintra parece a Disneylândia, tem aquele ambiente de conto de fadas. Mas prefiro a cidade ao conto de fadas", compara. E enquanto os contos de Lloyd Cole, geralmente pouco fantasiosos, não chegam ao palco do São Jorge, há tempo para irmos ouvindo e digerindo, sem pressas, os seus novos "Standards", à medida que vamos tirando o pó aos mais antigos...
Entrevista e texto @Gonçalo Sá/ Imagem @Luís Piçarra
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