Em “Slither Between the Blinds Shows Our Fears”, que estará patente na galeria Underdogs, Anthony Lister mostra pinturas e esculturas baseadas “conceptualmente num tema recorrente de ser-se produto de modelos enganadores”, mas também a “atração” que tem por “retratar lendas mitológicas de heróis e vilões numa linguagem contemporânea”, contou em declarações à Lusa.

Em criança, o artista australiano, de 37 anos, foi “indiciado a assumir um tipo de identidade” - o pai dizia-lhe que era parte aborígene - e já jovem adulto “isso foi arrancado, como uma piada cruel”.

“Sempre tive uma forte noção de ‘aborigenalidade’, mas foi completamente mal construída”, disse, referindo só agora estar “confortável o suficiente para chamar a atenção para isso”.

“É daí que vêm peças como o ‘didgeridon’t’”, um piano preto em madeira, construído e exposto na galeria onde o artista pintou um didgeridoo, instrumento de sopro dos aborígenes australianos.

As peças expostas foram criadas para a exposição, mas também para um documentário, realizado por Eddie Martin, sobre a vida de Anthony Lister.

Nas telas, usa tinta de ‘spray’, acrílico e óleos, mas não consegue identificar as técnicas. “A diferença entre um pintor e um mágico é que um pintor não faz truques. Não sei os passos de como chego às ilusões do que faço, tanto como consigo descrever os materiais”, referiu.

Anthony Lister

Há quem lhe chame ‘Banksy de Brisbane’, mas Anthony Lister não percebe o que isso significa: “Não vejo grande semelhança entre os nossos trabalhos, mas adoro o trabalho dele e se significa que ajudo a libertar as identidades de outros, ou pelo menos a atração de se ativarem em público, então aceito isso”.

Tal como Banksy, também pinta nas ruas, algo que considera “uma linda e brutal educação”. Na faculdade estudou Artes, mas estar na rua “é toda uma outra educação”.

A “doença boa” do graffiti foi–lhe passada pelo município de Brisbane, onde nasceu, que o desafiou a pintar caixas de eletricidade, quando ele preferia ficar a andar de skate enquanto os amigos pintavam comboios, algo que achava “um desperdício de tinta, já que seria limpo pouco depois”.

Ironicamente, foi o município de Brisbane que, cerca de uma década depois, o levou a tribunal por pintar nas ruas.

“Esse caso custou-me 78 mil dólares em gastos judiciais, quando poderia ter pagado uma multa de 470 dólares e ter-me-ia libertado disso, mas não poderia viajar para fora do país porque teria sido condenado por graffiti”, recordou.

Em vez de pagar a multa, Anthony Lister decidiu “lutar pelo povo e por todos os miúdos e amigos, mas também pelas famílias que sofreram ao perderem alguém para o sistema por ser criativo”.

Anthony Lister

“Sinto que, dada a minha posição privilegiada como elemento ativo da sociedade que teve acesso a educação e com uma carreira nas Artes, era minha obrigação, era meu dever, marcar uma posição e falar por todos aqueles que foram presos por atos criativos”, afirmou, considerando este tipo de situação “ultrajante”.

Ao contrário de outros artistas, para Anthony Lister o trabalho de estúdio começou antes do trabalho nas ruas.

O artista recordou a avó, “que era pintora e nasceu no Dia de Natal de 1919” e que lhe dava papel onde ele pintava e desenhava. Aos 84 anos a avó pintou um retrato do ator Will Smith – “perguntei se sabia quem era e ela disse-me que era um jovem muito atraente” -, que Anthony Lister pinta agora também.

“Ela tem sido um modelo para mim e acho que sempre mantive o trabalho de estúdio porque não sabia como não o fazer, era como eu a via a trabalhar”, referiu.

O retrato de Will Smith está na parede da sala retratada numa das telas de grandes dimensões exposta na Underdogs. À semelhança dos outros quadros pintados na parede daquela sala, o retrato de Will Smith ganhou vida própria e está também numa das pequenas telas expostas na galeria.

Além de “Slither Between the Blinds Shows Our Fears”, de entrada livre e que estará patente até 15 de julho, Anthony Lister conta deixar obra numa parede de Lisboa, “uma cidade muito bonita” que visita pela primeira vez.

A inauguração desta exposição marca a reabertura da galeria Underdogs, no n.º 56 da rua Fernando Palha, temporariamente encerrada para obras de remodelação.