Quem é Bloom?

Bloom sou eu.

JP Simões e Bloom têm sonoridades consideravelmente diferentes. O que motivou esta viragem? 

O que sempre motiva as viragens: a curiosidade e a busca de uma vida melhor.

Esta viagem que se confunde o papel camaleónico, qual David Bowie, com o ritmo solto da bossa nova, é de alguma forma uma homenagem tanto a Tom Jobim, Chico Buarque e tantos outros vultos do mundo da Tropicália como a Bowie (já a contar com o título que atribui ao álbum)?

Musicalmente, não há neste disco qualquer referência de relevo a Bowie ou a qualquer vulto da Tropicália. A composição das canções, a forma de tocar e a estrutura dos temas, teve referências inspiradoras como Nick Drake, Norberto Lobo, Jim O’Rourke ou Tinariwen (entre muitos outros, com presenças mais ou menos (des)apercebidas): isto porque tentei encontrar espaços e sentidos semelhantes ao que a escuta destes músicos me suscitava, mas, ao mesmo tempo, procurei não decalcar a expressão de nenhum deles. Depois, os arranjos e o desenho do som vieram preencher e exaltar o espaço já aberto pelas canções, optando pela luminosidade e pela sugestão de espaços amplos e selvagens, terrenos ou extra-terrenos, psicadélicos, à falta de termo mais preciso. O último tema a ser composto, Tremble like a Flower, partiu de uma ideia simples: o que estariam a fazer agora, 40 anos depois, os dois adolescentes que aparecem no tema “Starman” e que anunciam a visita do homem das estrelas? Ou seja: o que sobra da inicial fascinação pela vida e pela bizarria de estar em consciência neste gigantesco lugar a que chamamos mundo? À fascinação, havendo ainda, junta-se a sensação aguda da fragilidade individual na voragem do tempo. E aqui Bowie está evidentemente presente enquanto poeta de referência. O álbum acabou depois por pedir a frase emprestada como título, na medida em me pareceu que as canções se polarizavam inteiramente nesta tensão entre a idade do corpo e a idade dos sonhos.

Com um passado na música tão rico, era algo que tinha de fazer (isto é, um projeto que já lhe tinha passado pela cabeça há algum tempo, mas não havia disponibilidade) ou foi um desencadeamento de acasos e que levaram a surgir Bloom?

O passado só é rico se tiver alguma utilidade no enriquecimento do presente. No meu caso, creio que o trabalho criativo tem por natureza procurar um modo outro de expressão e ao mesmo tempo traduzir o melhor possível o tempo e as condições da sua produção. E Bloom é o meu presente.

Foi fácil fazer esta viagem de descoberta de culturas que nos estão longínquas (pelo menos geograficamente), não só pela bossa nova mas pelo blues?

Hoje a música jorra quase instantaneamente de todos os lugares e tempos em qualquer telefone móvel, daí que a viagem esteja facilitada no que toca ao acesso à matéria prima. A partir daí, o maior ou menor envolvimento com a música é uma questão pessoal. Nunca fui grande ouvinte de blues e de folk, mas calhou ter tomado mais atenção a uma série de autores durante o tempo da composição deste disco. O que mais me chamou a atenção foi a forma como a guitarra pode ser ao mesmo tempo cruamente rítmica, em Robert Johnson, por exemplo, e tão ricamente evocativa, como em Nick Drake.

Em que é que a língua inglesa faz tornar as letras diferentes da língua portuguesa?

É uma pergunta ambiciosa, mas creio que uma analogia desportiva pode ajudar a esclarecer a questão. Por exemplo, o Rugby e o Futebol têm regras diferentes: logo, o apreciador de Rugby irá delirar mais ou menos conquanto a partida seja melhor ou pior disputada, dependendo também do seu grau de exigência para com a performance dos jogadores, e as tácticas e técnicas empregues no desafio. O apreciador de futebol fará o mesmo, mas no contexto e nas regras precisas deste outro desporto, mediante também o seu conhecimento da história da modalidade, do seu maior ou menor envolvimento emocional e etc. São duas formas diferentes de suar: no caso da música, são duas formas diferentes de soar.