“JP Simões canta José Mário Branco”, editado a 23 de fevereiro pela Omnichord Records, começa a ser apresentado ao vivo hoje, na Sociedade Musical União Paredense (SMUP), na Parede, em Cascais.
Em entrevista à Lusa, o músico, que nasceu em 1970, recordou que o primeiro contacto que teve com a música de José Mário Branco, de que se lembre e que o marcou, foi no início dos anos 1980.
“Tinha saído o álbum ‘Ser Solidário’ [em 1982], que tinha a ‘Inquietação’. Lembro-me de ouvir no velho radiozinho dos meus avós, a válvulas, e aquele tema nunca mais me saiu da cabeça. De certo modo era revelador de algum estado de alma que eu não conseguia explicar com a clareza com que a música mo devolvia. Tanto que uns anos mais tarde acabei por fazer uma versão desse tema [no álbum ‘1970’, editado em 2006]”, partilhou.
Embora na adolescência e no início da vida adulta tenha andado “mais interessado em muitas outras coisas”, o repertório do autor de, entre outros “Eu vim de longe, Eu vou p’ra longe”, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e “F.M.I.”, nunca foi indiferente a JP Simões.
A partir de 2019, “por causa de algumas solicitações de concertos em abril”, nos 45 anos da ‘revolução dos cravos’, o músico foi “pescando algumas canções” do repertório de José Mário Branco de que gostava, e de que foi “gostando cada vez mais”.
O que se ouve no disco, e o que se tem ouvido ao vivo nos últimos anos, “vem muito do trabalho do compositor e músico Nuno Ferreira”, salientou JP Simões.
“Desde o início, ele é que foi traduzindo tudo para os nossos instrumentos, tentando ao máximo salvaguardar toda a natureza dos arranjos do José Mário Branco e das músicas dele”, disse.
Entretanto, JP Simões foi desafiado pelo fundador da Omnichord Records, Hugo Ferreira, para gravar uma versão de um concerto de guitarra e voz que José Mário Branco tinha dado no Teatro Académico Gil Vicente.
“Como eu já vinha no contexto de tocar Zé Mário ao vivo há uns tempos, sugeri juntarmos as duas ideias. Eu pegar no trabalho já desenvolvido, estudar um pouco mais o repertório de criação do Zé Mário e no fim chegámos a estes [oito] temas”, contou.
Alguns dos temas são os que JP Simões já tocava ao vivo, mas acabou por ir buscar outros, nomeadamente “Sopram ventos adversos”, um tema pelo qual tem “particular carinho”, e “Travessia do deserto”.
“São dois temas que começavam em canções e depois acabavam num instrumental delirante, tanto que o subtítulo do ‘Sopram ventos adversos’ é ‘Maiden voyage’. Optei por ir buscar só a parte da canção, porque eram duas canções muito bonitas, mas que estavam sempre acopladas a um delírio instrumental, muito bom na verdade, mas não era isso que eu queria fazer”, referiu.
Das várias versões incluídas no disco, JP Simões destaca como “um dos exercícios mais simpáticos de construir” a versão “bastante psicadélica” de “Perfilados de medo”, “uma música musicalmente de uma aparente simplicidade, mas que funciona tão bem”.
“Acabei por estragá-la com psicadelismos, mas acho que ela merecia esse tratamento, essa riqueza mais delirante”, disse, a propósito do tema cuja letra é um poema de Alexandre O’Neill, que fala dos limites da loucura.
JP Simões mostra-se “muito satisfeito” com o álbum. Espera que as pessoas gostem de o ouvir e, “acima de tudo, que respeite a obra de José Mário Branco, que é o fundamental aqui”.
Em relação a “Inquietação” chegou a ter ‘feedback’ do próprio José Mário Branco, que morreu em novembro de 2019.
“Tive oportunidade de o conhecer e era uma pessoa extremamente simpática e afável. Era uma pessoa de uma suavidade e de uma gentileza imensa, já não falando da inteligência. Fiquei muito feliz, porque ele gostou da versão”, recordou.
Depois de um encontro no Cinema São Jorge, em Lisboa, e de terem estado juntos num concerto em Coimbra, cruzaram-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
JP Simões era aluno de mestrado em Literatura e José Mário Branco estava a fazer o curso de Lógica. “Acabou como melhor aluno. Lembro-me sempre do ‘não meti o barco ao mar para ficar pelo caminho’ [da letra de ‘Inquietação’], portanto tinha que ser mesmo o melhor aluno”, partilhou.
Embora José Mário Branco já não possa ouvir o álbum – se pudesse, provavelmente JP Simões não o teria gravado -, os músicos envolvidos no projeto tiveram “o cuidado de falar com a família, para perceber se estariam de acordo”.
“Foi importante termos o aval e o consentimento da família. Fiz isto acima de tudo porque acho que conseguia fazer uma coisa decente, e nos últimos anos cada vez me dá mais gozo cantar estas canções”, afirmou JP Simões.
Editar o álbum que homenageia uma das ‘vozes de Abril’ no ano em que se assinalam os 50 anos do 25 de Abril “não foi nenhuma jogada de oportunismo”, até porque “é sempre oportuno recordar” José Mário Branco.
“Todos estes temas falam, acima de tudo, sobre natureza humana, e ela não tem variado muito ao longo dos tempos. Creio que as músicas continuam a manter a sua atualidade”, disse o músico, lembrando que “uma das características do José Mário Branco também era pegar as coisas de frente e falar dos assuntos”.
JP Simões tem dificuldades em escolher um só tema que caracterize o músico e compositor José Mário Branco, porque ele “é muito vasto”.
“Filosofa bravamente sobre a condição humana, no geral e no particular, e sobre o amor, o desamor, sobre tudo aquilo que nos compõe. Tenho muita dificuldade em resumi-lo, mas o coração de toda a obra dele, para mim, é ‘Inquietação’, parece que é um bocado o motor fundamental de quase tudo. A voz dele transporta isso. A voz, as palavras, a música, o intrincado da música. Nota-se que a música, ela própria, mastiga também as questões emocionais e filosóficas, especulativas, que as palavras dele também tão sobejamente acompanham”, defendeu.
Depois do concerto de hoje na Parede, JP Simões irá apresentar o álbum noutras cidades, cujas datas serão anunciadas em breve.
Ao vivo, serão tocadas as músicas de “JP Simões canta José Mário Branco”, mas também outros temas do autor de “Inquietação” e de outros músicos, como José Afonso ou Fausto.
Além de JP Simões, estarão em palco Nuno Ferreira (guitarra, arranjos e direção musical), Ruca Rebordão (percussões), Pedro Pinto (contrabaixo) e Márcio Pinto (marimba).
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