O debate sobre a "cultura do cancelamento" cultural tem agitado a França, que enfrenta uma tempestade através de colunas de opinião nos jornais, demissões e declarações de funcionários públicos.

"O wokismo tornou-se uma política de censura", declarou na terça-feira (6) a nova ministra francesa da Cultura, Rachida Dati, nomeada no início de janeiro pelo presidente Emmanuel Macron.

"Sou a favor da liberdade de arte e de criação, não sou a favor da censura", declarou a política de direita, garantindo que abordará o tema com funcionários ao mais alto nível do ministério.

"Wokismo", ou "movimento woke", é um termo inglês surgido nos EUA, ligado à luta contra a segregação racial e refere-se ao "despertar", ou "tomada de consciência" ("to wake") de qualquer pessoa que descubra e assuma as reivindicações contra qualquer tipo de discriminação.

Na última década, o movimento 'woke' assumiu muitos outros objetivos, como a luta anticolonial, de género, contra as mudanças climáticas, entre outros.

No campo cultural, esta mobilização provoca o "cancelamento" de personalidades — seja pelas suas obras, ações ou declarações — que são banidas da vida pública.

O caso Tesson

Sylvain Tesson

O escritor francês Sylvain Tesson, autor de sucesso de livros de viagens, alguns deles até mesmo adaptados ao cinema, como "La panthère des neiges" ("O Leopardo das Neves", em tradução literal), de 2021, foi o alvo mais recente deste movimento.

Este ano, Tesson foi nomeado curador da "Primavera dos Poetas" de Paris, que completa 25 anos em março.

Um grupo de intelectuais criticou esta designação no jornal de esquerda "Libération", acusando o escritor de possuir "uma ideologia reacionária" e ser um representante da "extrema-direita literária".

Tesson elogiou antigas figuras literárias francesas, tanto de direita como de esquerda, e apoiou publicamente a Arménia no conflito contra o Azerbaijão.

Entretanto, o governo francês declarou apoio ao autor, bem como outros escritores e artistas.

Atores, políticos, cartas públicas, zangas inesperadas e arrependimentos: caso Gérard Depardieu provoca fraturas na França
Atores, políticos, cartas públicas, zangas inesperadas e arrependimentos: caso Gérard Depardieu provoca fraturas na França
Ver artigo

A polémica também gira em torno do ator Gérard Depardieu, acusado de agressão sexual por diversas mulheres e de violação por uma atriz com quem contracenou. A queixa foi arquivada no final de dezembro, mas declarações públicas a seu favor e contra inundaram a imprensa francesa.

Após uma carta pública em apoio à lenda do cinema, assinada por cerca de 60 personalidades, a resposta contra ele foi imediata, com um texto com oito mil signatários.

A repercussão fez com que o governo francês considerasse retirar a Legião de Honra do ator, mas depois recuou.

O exemplo de Zola

Desde o famoso artigo "Eu acuso" do escritor Émile Zola (1840-1902), que em 1898 ajudou de forma decisiva a denunciar o escândalo Dreyfus, as colunas publicados na imprensa têm desempenhado um papel fundamental na França.

Mas agora "as redes sociais e os novos meios de comunicação fizeram evoluir os limites do espaço público", explica a professora de Ciências da Informação Claire Blandin.

No caso Depardieu, o debate foi ampliado porque é liderado por grandes estrelas, mas também ocorre a muitos outros níveis, como na vida universitária.

O "wokismo" está intimamente ligado à desconstrução, teoria que nasceu nas salas de aula das universidades francesas. No entanto, segundo especialistas que denunciam um "boomerangue intelectual", a teoria voltou transformada desde que chegou dos EUA.

Para expressar a sua rejeição a este movimento, um grupo de intelectuais organizou um debate na Universidade de Sorbonne em 2022, que gerou protestos na entrada da instituição.

Meses depois, adeptos do movimento 'woke' organizaram o seu próprio colóquio: "Quem tem medo da desconstrução?".

"Odeio a expressão 'libertar a palavra' porque é justamente uma expressão dos 'wokistas'. Mas colocamos um fenómeno em evidência e a partir daí a polémica continua", disse a professora de Literatura Comparada Emmanuelle Hénin, uma das organizadoras do evento na Sorbonne.