Com tradução da escritora Luísa Costa Gomes e encenação de António Pires, a peça é mais que uma comédia ou que uma comédia trágica, acabando por tratar da imaturidade, tema caro ao escritor nascido em Maloszyce, a sul de Varsóvia, em 1904, autor de “Cosmos” e “Curso de Filosofia em Seis Horas e um Quarto”, que reuniu os seus primeiros contos, em 1993, sob o título “Memórias dos tempos da imaturidade”.

Questionado sobre por que razão decidiu levar à cena “Ivone, princesa de Borgonha”, António Pires disse que Luísa Costa Gomes lhe mostrou o texto, e que ficou logo “completamente apaixonado”.

“Achei que o texto era um bocadinho mais fácil de levar à cena. Foi um processo de muito trabalho. De muita coisa a acontecer em cena, e que foi para lá da leitura”, disse.

Esta peça foi também, segundo António Pires, a mais difícil que já encenou. Porque é uma peça que não se entende logo à primeira leitura, e tem um ritmo avassalador.

Sublinhando ter achado importante levar esta peça à cena – que Carlos Avilez primeiro encenou em 1971, no Teatro Experimental de Cascais -, António Pires referiu ainda que a peça “é um bocado esquisita”.

“Por um lado, podemos falar de 'bullying', mas depois, quando se vai desenvolvendo, vai falando de amor (…), fala um bocado de possessão também... Eles [as personagens] são déspotas também um bocado”, acrescentou António Pires, sublinhando, contudo, que isso não é logo “percetível” inicialmente.

Por seu turno, Luísa Costa Gomes, que nunca a tinha visto a peça encenada, disse que só quando começou a traduzi-la, é que percebeu “que é bem mais que uma comédia”.

“Na leitura, a peça é muito engraçada, muito divertida, porque tem um ritmo avassalador e as 'deixas' sucedem-se e são sempre inesperadas. Tudo aquilo é insólito, mas fazendo imenso sentido”, indicou, sublinhando, no entanto, que a peça “'fia muito mais fino' do que parece”.

“A peça é muito mais complexa, muito mais profunda do que parece à primeira vista”, enfatizou. E o insólito mantém-se ao longo do texto, indo mesmo em crescendo, observou.

“Ivone, princesa de Borgonha” centra-se em Ivone, uma mulher amorfa que não fala – ao longo da peça tem apenas sete falas -, e que o mimado príncipe Filipe de Borgonha escolhe para casar.

Ivone acaba assim por se tornar vítima de 'bullying', sem chegar a ser agredida fisicamente, o que faz com que os quatro atos evoluam num crescendo de bestialidade, selvajaria, idiotice e falta de sentido.

“Ivone, princesa de Borgonha” acaba por abordar assim os limites da humanidade ou a bestialidade ainda que adormecida, que todo o ser humano carrega.

A peça acaba também por ser uma dissimulação de horrores, a que não é alheio o facto de ter começado a ser escrita em 1933, quando Hitler sobe ao poder na Alemanha, e publicada em 1938, em plena época de ascensão do nazismo.

A interpretar estão Maria João Luís, Marcello Urgeghe, João Barbosa, Mário Sousa, Alexandra Sargento, Hugo Mestre Amaro, Cláudia Alfaiate, Nuno Casanovas, Francisco Vistas e Carolina Campanela.

A cenografia é de João Mendes Ribeiro, os figurinos de Luís Mesquita e os adereços de Carla Freire.

“Ivone, princesa de Borgonha” estreia-se no próximo dia 21 e fica em cena até 8 de abril, com espetáculos de quarta a sábado, às 21:30, e ao domingo, às 17:00.

“Contos Polacos, “A Pornografia”, “Morte ao Dante”, “Contra Os Poetas” são alguns dos títulos de Gombrowicz editados em Portugal.