A autora Ana Markl e a ilustradora Christina Casnellie publicam esta semana um livro que é um elogio à escrita de diários e que propõe abrir o diálogo entre pais e filhos sobre a adolescência.

“Do outro lado do tempo – E se pudesses ouvir o teu passado”, com selo da Nuvem de Letras, é um livro ilustrado que imagina uma conversa entre uma mulher adulta, na atualidade, e a sua versão adolescente, a partir de diários escritos nos anos 1990.

Entre dois tempos, a protagonista do livro é a própria autora, Ana Markl, que conta excertos de episódios vividos entre os 15 e os 16 anos, em Lisboa, com amigos, com a família, na escola, expondo dramas e dilemas pessoais, desabafados nas páginas dos diários.

“O trabalho de um diário é um bocado esse: registar isso sem medo, porque ninguém está a ver e estás a materializar um pensamento, pode ser muito benéfico para a tua saúde mental”, afirmou Ana Markl à agência Lusa.

Nascida em Lisboa, em 1979, Ana Markl tem formação em Línguas e Literaturas Modernas e em jornalismo, escreveu para a imprensa, já fez televisão, escreveu argumentos, fez rádio, tem um 'podcast' e publicou dois livros para crianças.

Sobre “Do outro lado do tempo”, Ana Markl não dá importância ao facto de expor a vida privada adolescente aos leitores, argumentando que, com as ressalvas da passagem do tempo, o que escreveu nos diários é reconhecível por jovens da atualidade.

“O tipo de angústia, sendo semelhante em qualquer adolescente em qualquer tempo, tem aqueles contornos de: a roupa que usavas, sentires-te estranha, a pressão dos pares, essas coisas todas que sendo universais depois também dirão muitos aos pais dos adolescentes. Este livro é mesmo para abrir esse diálogo entre pais e filhos”, sublinhou.

Para Ana Markl, um adulto perde rapidamente a memória da adolescência e tende a ser condescendente: “Temos de nos lembrar exatamente de quem éramos para perceber o que é que precisávamos naquela altura dos adultos e que muitas vezes não nos era dado. Acho que os adolescentes que tendem a isolar-se, precisam de saber mais sobre a adolescência dos pais para perceberem que os pais não nasceram uns adultos chatos, que passaram por coisas semelhantes”, disse.

O passado, neste caso os anos 1990, está inscrito no livro pela ausência de telemóveis, Internet, redes sociais, e por uma vida quase analógica, com a existência de videoclubes, leitor de CD, partilha de cassetes entre amigos.

Mas o livro é atravessado por temas que permanecem atuais, como o 'bullying', um divórcio de pais, ciúmes, amor platónico, namoro, a relação com o corpo.

Ana Markl contou que escrevia compulsivamente diários entre a infância e a adolescência, porque funcionavam como um escape pessoal. “Escrevia por necessidade, para me compreender e para me sentir menos sozinha”.

“Ainda tento escrever diários. Faço terapia, falo da minha vida nas redes sociais, no ‘podcast’ e parece que já não tenho tanta necessidade desse espaço de desabafo, o que é pena, porque ainda tenho muita coisa para dizer a mim própria”, afirmou.

A autora elogia o trabalho diarístico e a autoficção de escritoras como Joan Didion e Annie Ernaux e, na literatura portuguesa, os livros para jovens das autoras Ana Pessoa e Joana Estrela. Sublinha ainda a atual tendência de incentivo à escrita de diários entre adultos.

“É realmente fixe, porque há pessoas que não falam consigo próprias. Sempre tive um monólogo interno muito barulhento e tinha necessidade de pôr cá para fora. Se calhar há pessoas que precisam disso”, disse.

“Do outro lado tempo – E se pudesses ouvir o teu passado” vai ser apresentado no sábado, na FNAC Roma, em Lisboa, e no dia 21 de junho, na Feira do Livro de Lisboa.