Luzes apagadas, eis que surge o primeiro foco ao piano e lá está ele a iniciar um concerto que se caracterizou por um constante crescendo de intensidade. Se nos primeiros temas parecia algo tímido, tendo comentado que não esperava tanta gente na sala, já que era a primeira vez que atuava em Lisboa, a performance dos últimos temas já foi completamente desprovida de constrangimentos, num jogo de sedução hipnotizante.
Uma pequena nota em tom de curiosidade. Marlon Williams já havia estado em Lisboa aos 18 anos para um concerto. Esse concerto, no entanto, havia sido com o coro católico do qual fazia parte. Pode ter passado algum tempo desde a sua vinda, mas não será demais dizer que passou a existir uma espécie de "love affair" com o nosso país, já que foi a segunda vez que veio a Portugal este ano. Os primeiros corações roubados aconteceram no Festival Paredes de Coura em Agosto e na passada sexta-feira tocou no Festival Para Gente Sentada, em Braga.
Este regresso a Portugal teve então o mote de apresentar o seu mais recente disco, “Make Way for Love”, a norte e a sul do país. Entrado em palco, sentado ao piano, os primeiros suspiros já se faziam ouvir. Não é segredo nenhum que Marlon Williams transporta uma grande dose de charme com ele e todo o seu reportório envolve uma certa melancolia sedutora.
No seu jeito de menino que anda pelo mundo, por vezes sonhador, outras vezes de coração perdido, Marlon Williams é senhor de uma voz extraordinária. Se ouvir os discos em casa consegue ter o efeito de evocar uma espécie de realidade anestesiante, ao vivo a experiência é totalmente arrepiante. A seu favor tem a banda talentosa que traz consigo, com especial destaque para o baixista que tem uma voz igualmente notável. As harmonias entre os dois funcionam de forma belíssima.
Entre ritmos mais fortes e baladas a invocarem o lado mais emocional, a viagem que se faz com Marlon Williams é uma espécie de road trip da adolescência à vida adulta, com bagagem ainda por resolver. Temas como "What’s Chasing You", "Party Boy", "Vampire Again", "I’m Lost Without You" e "Nobody Gets What They Want Anymore" não faltaram e foram, sem dúvida, dos mais aclamados. Este último, como já poderão saber, consta num tema conjunto com a sua ex-namorada Aldous Harding. Em tom de brincadeira, o músico alegou que toda a gente deveria fazer o mesmo, ter uma música com o ex-companheiro . Que era terapêutico! A certa altura, o neozelandês apresentou uma nova canção dedicada aos filhos que (ainda) não tem. Ou pelo menos assim espera, brincou. Os risos partilhavam-se e a boa disposição era palpável.
O que, na verdade, acaba quase por ser contraditório com o teor das suas canções. E este é um fenómeno admirável nos concertos de Marlon Williams. Não é que se comemore os desastres amorosos, mas sente-se a partilha de emoções e quase como que um reforço do tradicional “eventualmente ficará tudo bem”.
Não haverá quem tenha saído do Lisboa ao Vivo sem se sentir deslumbrado e arrebatado. Claro que findo o concerto se exigiu um encore e o espetáculo terminou com Marlon Williams apenas entregue ao microfone. Escusado será dizer que foi uma performance que nos provou que estamos perante um músico com uma voz invejável, capaz de ir dos agudos aos graves de forma sublime, e que sabe como usar a história da sua vida para criar belíssimas canções, encantando por onde passa.
Nota de destaque também para Ryan Downey, o artista australiano que fez a primeira parte da noite. Munido apenas de duas guitarras, uma acústica e uma eléctrica, mostrou-nos um pouco do seu belíssimo trabalho e voltou ao palco para uma actuação especial com Marlon Williams. Um músico que vale a pena manter debaixo de olho.
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