O funeral realiza-se terça-feira, no Porto, segundo a mesma fonte.

Um comunicado será emitido hoje, pelas 15:00, através do Círculo Literário Agustina Bessa-Luís, segundo a família da escritora.

O governo decretou um dia de luto nacional para esta terça-feira.

Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa-Luís nasceu em Vila Meã, Amarante, em 1922, e editou mais de 50 títulos, entre romances, contos, peças de teatro, biografias romanceadas, crónicas de viagem, ensaios e livros infantis.

O primeiro livro de Agustina Bessa-Luís, "Mundo Fechado", foi publicado em 1948. O romance "A Sibila", publicado há 60 anos, valeu-lhe os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz, os primeiros de uma lista de vários galardões, entre os quais o de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, em 1983, pela obra "Os meninos de ouro", e que voltou a receber em 2001, com "Joia de família".

Em 1951, venceu os Jogos Florais do Minho com o conto “Civilidade”, ao qual concorreu usando como pseudónimo o nome do seu marido, o advogado Alberto Oliveira Luís. Em 1997, quando publicou “Um Cão que Sonha”, numa conversa com público, em Oeiras, realçou a importância que tinha na sua escrita o marido. “Por tudo, do apoio à compreensão, ao incentivo e ao amor incondicional”, afirmou. Alberto Oliveira Luís, que foi o responsável pela fixação do texto da escritora, morreu em novembro de 2017, aos 94 anos.

"Poucos são os que me leem, mas muitíssimo mais os que me conhecem"

A escritora afirmou numa palestra pública que era uma escritora mais conhecida do grande público do que lida, apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente, “A Sibila”.

“Poucos são os que me leem, mas muitíssimo mais os que me conhecem”, disse a escritora, que contou em seguida um episódio passado no Porto, em que uma senhora na rua de Cedofeita a interpelou e lhe disse: “Sabe, gosto muito de si, até estou a pensar um dia destes comprar um livro seu”.

Muitas das suas obras estão traduzidas em diferentes idiomas e algumas foram adaptadas ao cinema, sobretudo por Manoel de Oliveira, que realizou "Francisca" (inspirado em "Fanny Owen", em 1981), "Vale Abraão" (1993), "O Convento" (inspirado nas "Terras do Risco", em 1995), "Party" (1996), "Inquietude" (inspirado no conto "A Mãe de um Rio", em 1998), "O Princípio da Incerteza" (2001) e "O Espelho Mágico" (adaptado de "A Alma dos Ricos", em 2005). Em 2008, João Botelho adaptou "A Corte do Norte".

Na comunicação social Agustina Bessa-Luís, de 1978 a 1979, fez crónicas matinais na RDP/Antena 1, que foram reunidas no volume "Crónica da Manhã" (2015), e colaborou também na RTP, nomeadamente no programa, por si idealizado, "Ela por Ela" (2005), em que conversava com a jornalista Maria João Seixas.

Entre as peças, é autora d'“A Bela Portuguesa”, levada à cena na Casa da Comédia, em Lisboa, em 1987, numa encenação de Filipe la Féria, que adaptou ao teatro o seu romance “As Fúrias”, em 1995. “A Bela Portuguesa” foi representada novamente, em 2005, na X Mostra Internacional de Teatro Universitário, em Lisboa, numa encenação de Jorge Almeida. A autora escreveu para teatro "Garrett: o Eremita do Chiado", "Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard" e "Inseparável ou o Amigo por Testamento".

Embora sempre ligada à produção literária - até cerca de 2006 publicava uma média de um livro por ano -, Agustina Bessa-Luís foi diretora do jornal O Primeiro de Janeiro, de 1986 a 1987, mais tarde, membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social, e diretora do Teatro Nacional D. Maria II, de 1990 a 1993. Integrou ainda a Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres (Paris) e a Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa (Classe de Letras).

Em 1985, foi mandatária da candidatura presidencial de Diogo Freiras do Amaral e, em finais de 2006, apoiou o "sim" no referendo sobre a despenalização do aborto.

Uma obra continuamente premiada

Agustina Bessa-Luís foi agraciada com inúmeros prémios, como o Prémio Eça de Queirós (1954), Prémio Nacional de Novelística (1967), Prémio D. Diniz (1981) Grande Prémio Romance e Novela (1983 e 2001), Prémio Camões (2004). Foi igualmente distinguida com a Ordem de Santiago da Espada (1980) e Officier de l’Ordre des Arts e des Lettres, atribuído pelo governo francês (1989).

AGUSTINA BESSA LUIS

A escritora, que fixou residência no Porto, em 1950, recebeu o Prémio Ricardo Malheiros, em 1966 e em 1977, respetivamente, com “Canção Diante de Uma Porta Fechada” e “As Fúrias”.

Em 1967, a sua obra “Homens e Mulheres” valeu-lhe o Prémio Nacional de Novelística e, em 1980, o romance “O Mosteiro”, o Prémio D. Diniz/Casa de Mateus e o P.E.N. Clube de Ficção.

Em 1988, recebeu o Prémio RDP/Antena 1 por “Prazer e Glória” e, em 1993, o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários por “Ordens Menores”, em 1997, recebeu o Prémio União Latina pelo romance "Um Cão que Sonha".

A escritora foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, o Globo de Ouro SIC/Caras Mérito e Excelência, em 2002, e o Prémio Eduardo Lourenço, em 2015.

Sobre Agustina, o ensaísta Eduardo Lourenço afirmou que é "incomparável" e é a "grande senhora das letras portuguesas", em declarações à Lusa, no final da cerimónia da entrega do Prémio Eduardo Lourenço à autora, há pouco mais de três anos.

Agustina recebeu ainda os Prémios Camões e Vergílio Ferreira, ambos em 2004, e o Prémio de Literatura do Festival Grinzane Cinema, em 2005.

Eduardo Prado Coelho, que foi um dos jurados do Prémio Camões, definiu-a como "uma extraordinária cronista com sentido de humor e uma visão original e, por vezes, desconcertante da literatura". O escritor Vasco Graça Moura (1942-2014), que fez parte do mesmo júri, considerou-a "uma escritora universal".

Antes do seu nome saltar para os escaparates das livrarias, Agustina Bessa-Luís publicou “Os Super Homens” (1950) e “Contos Impopulares” (1951).

A sua bibliografia inclui títulos como "Os Incuráveis", “A Muralha”, "Ternos Guerreiros", "O Sermão do Fogo", "A Dança das Espadas", "As Pessoas Felizes", "Santo António", "O Concerto dos Flamengos", "Ternos Guerreiros", "A Dança das Espadas", "As Pessoas Felizes", "Crónica do Cruzado Osb", "A Brusca", "Aquário e sagitário", "Doidos e Amantes", e os três volumes de "O Princípio da Incerteza", entre outros.

O último romance que publicou, "A Ronda da Noite", saiu em setembro de 2006.

Reedições e inspirações

Afastada da vida pública, por razões de saúde, há cerca de duas décadas, Agustina Bessa-Luís viu reeditadas muitas das suas obras, com prefácios escritos pelos seus pares, a partir de 2016, na editora Relógio d’Água, tendo-se posto fim a uma relação da autora com a Guimarães Editores, que datava de 1954.

Nesta nova editora voltaram a ser publicados os títulos "Vale Abraão", com prefácio de António Lobo Antunes, "Fanny Owen", prefaciado por Hélia Correia, "O Mosteiro", com prefácio de Bruno Vieira Amaral, "A Ronda da Noite" (prefácio de António Mega Ferreira), "O Manto" (prefácio de João Miguel Fernandes Jorge), "Os Meninos de Ouro" (prefácio de Pedro Mexia), o livro infantojuvenil "Dentes de Rato", e o inédito "Deuses de Barro", prefaciado pela filha, a escritora Mónica Baldaque.

Outros inéditos seus conheceram também a luz do dia, através da Fundação Calouste Gulbenkian que, em 2014, publicou "Elogio do Inacabado", título que inclui os esboços de romances iniciado na década de 1960, designadamente "Homens e Mulheres", "As Grandes Mudanças", "Coração-de-Água", "O Caçador Nemrod" e "Os Meninos Flutuantes".

Em fevereiro do ano passado, a Fundação publicou “Ensaios e Artigos (1951-2007)”, em três volumes, reunindo mais de mil artigos publicados na imprensa.

O conto “Civilidade” veio a ser publicado em 2012 pelo grupo Babel, que, desde 2010, integra a Guimarães Editores, tendo nesta data sido também publicado outro título inédito, “Kafkiana”, que reúne quatro textos com reflexões de natureza literária sobre a situação do homem kafkiano face ao mundo e a ele próprio.

“Quem, como eu, por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a licenciatura) durante muito tempo, não pude evitar a sua sombra. Pelo que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos deu o pão do ensino”, escreveu Agustina.

Neste conto, a escritora retorna a um tempo e a um cenário de infância, de quando passava férias na Quinta de Cavaleiros, perto da Póvoa de Varzim. Imaginário que retomaria em textos infantis, e no romance “Antes do Degelo” (2004).

2018, o "ano da Agustina"

A autora recebeu três doutoramentos ‘Honoris Causa’, pela Universidade Lusíada, Universidade do Porto (ex aequo com Eugénio de Andrade) e Tor Vergata, de Roma.

2018, o “Ano da Agustina”, terminou com a atribuição do doutoramento 'Honoris Causa' à escritora, em Vila Real, a primeira mulher a ser distinguida com este título honorífico pela UTAD. A UTAD já distinguiu com o doutoramento ‘Honoris Causa', Alberto Núñez Feijóo (Junta Regional da Galiza), Fernando Santos (selecionador nacional), Manoel de Oliveira (cineasta), Luís Valente de Oliveira (académico e antigo governante), Luís Garcia Braga da Cruz (antigo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte), João Rosas Nicolau de Almeida (enólogo) e o Comité Olímpico de Portugal.

RTP2 dedica ciclo a Agustina Bessa-Luís com estreia de dois documentários

“É sempre muito bom ver que a Agustina continua a ser homenageada, reconhecida e querida no seu país”, afirmou então Mónica Baldaque, que representou a mãe na cerimónia que decorreu no 'campus' da academia transmontana.

Ao longo de 2018 foram realizadas várias iniciativas, como exposições, palestras, ciclos de cinema, colóquios, bem como atividades nas escolas "para estimular os alunos a trabalhar, a ler e a interpretar Agustina Bessa-Luís".

“Há ainda muito trabalho para fazer, trabalho que não é só com Agustina, é um trabalho de educação, de preparação dos alunos e dos professores. Há muito, muito a fazer para preparar as novas gerações para lerem, para interiorizarem aquilo que leem e para utilizarem toda essa bagagem que devem adquirir ao longo do seu tempo de estudo”, acrescentou na ocasião Mónica Baldaque.

A homenagem pela UTAD partiu de um desafio lançado pelo presidente do Conselho Geral da academia, José da Silva Peneda. “Entendi que Agustina Bessa-Luís merecia esta homenagem porque grande parte da sua obra tem o Douro como palco. Em muito do que ela escreveu o Douro está presente e, sendo a UTAD uma instituição que está sediada no Douro, não fazia sentido que não tivesse um ciclo de homenagens a uma figura tão marcante da literatura portuguesa”, afirmou Silva Peneda.

A escritora nasceu em Vila Meã, Amarante, em 1922, mas passou parte da sua juventude, entre os 12 e os 18 anos, na Régua. “Não havia muito para fazer e ela lia compulsivamente e isso foi muito importante para a formação dela. Esta ligação ao Douro reflete-se muitíssimo na sua obra”, acrescentou Mónica Baldaque.

Alguns dos seus romances, como “O princípio da incerteza” ou “Vale Abraão” são passados no Douro. “Eu encontro referências ao Douro em quase todos os romances que leio dela”, acrescentou a filha.

No início de 2019, foi publicada a biografia "O Poço e a Estrada - Biografia de Agustina Bessa-Luís", da autoria Isabel Rio Novo.

Agustina Bessa-Luís foi condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto em 1988.

Questionada sobre o que escrevia, a autora disse, num encontro na Póvoa do Varzim: “É uma confissão espontânea que coloco no papel”.

A escritora Isabel Rio-Novo, autora da biografia de Agustina Bessa-Luís, considera que a "obra extraordinária" da autora "não morre hoje" e "continuará a ser lida e apreciada seguramente daqui por cem ou duzentos anos".

Um "génio" com uma "obra extraordinária": as reações à morte de Agustina

A escritora Isabel Rio-Novo, autora da biografia de Agustina Bessa-Luís, considera que a "obra extraordinária" da autora "não morre hoje" e "continuará a ser lida e apreciada seguramente daqui por cem ou duzentos anos".

Para o Presidente da República, Agustina evidenciou-se “como criadora, como cidadã, como retrato da força telúrica de um povo e da profunda ligação” entre as raízes dos portugueses e “os tempos presentes e vindouros”. Na nota publicada do sítio da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa “curva-se perante o seu génio”.

O PS considerou hoje que a morte da autora constituiu uma "enorme perda para Portugal" e que esta escritora é "um dos maiores vultos" e "um dos grandes expoentes" da cultura portuguesa.

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, também já reagiu dizendo que a escritora "ocupa um lugar sem par na narrativa portuguesa contemporânea, sempre preocupada com a condição social e cultural em Portugal".

O primeiro-ministro António Costa considerou que Portugal perdeu hoje uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas, salientando que a obra de Agustina Bessa-Luís constitui "uma imensa tela sobre a condição humana".