Iniciativa do Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa (MPMP), com libreto de Marta Pais Oliveira, a ópera contemporânea retrata quatro momentos da vida em Portugal: 1942, quando Ferreira Soares, conhecido em Nogueira da Regedoura (Santa Maria da Feira) como o médico dos pobres, terá sido assassinado à queima-roupa pela então Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), a madrugada do 25 de Abril, a atualidade, e uma data projetada no futuro algures em 2077.
Estreada em abril no Teatro das Figuras, em Faro, a ação do espetáculo decorre num único dia retratando quatro momentos - noite, madrugada, manhã e tarde -, com o início a dar-se de noite, numa alegoria à “escuridão” que tingiu Portugal durante a ditadura do Estado Novo, disse à agência Lusa a encenadora da ópera, Daniela Cruz.
O espetáculo “parte de uma vontade de criar uma ópera contemporânea que se passa em quatro cenas, cada uma reportando-se a um período temporal, começando em 1942 e terminando em 2077", observou.
A partir de histórias menos conhecidas - do tempo do fascismo ou da Revolução dos Cravos, que "não foi feita sem sangue, já que morreram quatro civis manifestantes”, a ópera percorre vários tempos sem que a democracia fique "totalmente consolidada", acrescentou Daniela Cruz.
“Quando imaginámos esta ópera a partir da liberdade e da democracia, que é um ensaio, pois ainda há muita coisa por fazer, pensámos 2077 como referência a estes movimentos que ainda estão por criar. Avançamos muita coisa, já melhoramos e já conquistamos muitas coisas, mas ainda há movimento por criar”, frisou.
E é essa a mensagem deixada na quarta cena da ópera, que se passa no futuro e que, embora “não seja tão relevante em termos de data como as outras para trás, aponta o futuro como um lugar com mais liberdade”.
Um lugar “com mais espaço para dançar, onde se criam movimentos. Na ópera é, realmente, a altura em que existe mais espaço para o movimento, para a dança, onde todos dançam e onde todos têm mais espaço”, concluiu a encenadora, remetendo para a personagem do espetáculo Dançatriz, a única que atravessa os quatro momentos da ópera.
Uma personagem “otimista, alguém que vê o passado e se projeta para o futuro e que ao longo da ópera vai ganhando espaço para o movimento dela”. “Porque há sempre movimentos por criar”, indicou a encenadora.
“Muito já foi conquistado, mas ainda há que conquistar. Não se consolida porque podemos sempre encontrar mais”, acrescentou, sublinhando que ao longo da história há sempre “inquietações inapagáveis, coisas que aconteceram que nunca se apagam e que são projetadas para a frente".
“A Marta quis escrever um libreto que refletisse, que espelhasse realmente que há muita coisa que já foi conquistada e que, ao mesmo tempo, ainda precisamos de criar mais espaço, mais movimento, mais equidade”, concluiu.
No Teatro Aveirense a ópera vai ser apresentada com a Orquestra Filarmonia das Beiras, o Coro Voz Nua, as sopranos Ana Sofia Ventura e Sofia Marafona, o barítono Tiago Matos, o tenor Paulo Lapa e o ator Guilherme de Sousa.
A plataforma MPMP Património Musical Vivo dedica-se à descoberta de música e de músicos portugueses e criou "Madrugada" para celebrar os 50 anos do 25 de Abril em coprodução com a Orquestra do Algarve.
Com música escrita e composta a oito mãos - Carlos Lopes, Sara Ross, Francisco Fontes e Solange Azevedo – “Madrugada” inclui ainda um coro comunitário, na senda “do espírito de abril”, referiu a encenadora.
Com direção artística de Jan Wierzba e encenação e coreografia de Daniela Cruz, “Madrugada” subirá, a 25 de outubro, ao palco do Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, também com a Filarmonia das Beiras.
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