"Olhamos para o Peacemaker e pensamos 'Que cretino'. Mas depois conhecemos o pai e pensamos 'Oh meu Deus, este tipo consegue ser melhor do que a geração anterior, por muito mau que seja'". A descrição é de James Gunn, numa entrevista por Zoom ao SAPO Mag, e sintetiza o conceito que levou o realizador a apostar num spin-of da personagem de "O Esquadrão Suicida" (o segundo filme da equipa de supervilões ao serviço de missões dos serviços secretos dos EUA, também dirigido pelo norte-americano).
Interpretado por John Cena no blockbuster que chegou aos cinemas no ano passado, o protagonista da nova série do universo da DC nos ecrãs foi das figuras mais controversas do filme e a sua história até parecia ter terminado por ali. Mas afinal estava só a começar. "Muitas personagens tiveram arcos completos e soubemos muito sobre de onde vieram e como se tornaram quem são. Na rodagem, o John e eu falámos muito sobre de onde veio o Peacemaker, quem é que ele era e como se sentia isolado, mesmo no grupo. Achei que havia aí muito território por explorar".
Tudo começou, aliás, com o ator. "Antes de mais, queria trabalhar com o John outra vez. O John e eu tornámo-nos amigos ao fazermos 'O Esquadrão Suicida'. E queria escrever algo divertido quando estávamos confinados, por isso escrevi para mim e para os meus amigos", lembra, apontando os nomes de Steve Agee (John Economos) e Jennifer Holland (Emilia Harcourt), figuras secundárias no filme que têm mais tempo de antena na série. "E claro, todos os amigos que fiz pelo caminho".
O PAI TIRANO
Criado pelo argumentista Joe Gill e o artista Pat Boyette nos anos 1960, o alter ego de Christopher Smith é um vigilante decidido a impor a paz a todo o custo... nem que para isso tenha de recorrer a violência extrema. E leva essa postura tão a sério que se arrisca a tornar-se mais detestado do que muitos supervilões da sua equipa.
"Um dos aspetos que me interessaram na série foi o de um tipo que está preso nos seus ideais. E os seus ideais foram criados pelo pai, em parte, e ele passou um mau bocado a tentar fugir disso", conta Gunn, que além de ter realizado os oito episódios da primeira temporada da série da HBO Max, é o showrunner, argumentista e um dos produtores executivos.
August "Auggie" Smith/White Dragon, o pai do protagonista, surge encarnado por Robert Patrick, ator que ganhou lugar na memória coletiva ao dar corpo ao mortífero T-1000 de "O Exterminador Implacável 2 - O Dia do Julgamento" (1991), de James Cameron. A personagem que encarna na série, embora muito diferente, não é menos assustadora. E abre a porta a questões filiais que o realizador queria abordar neste spin-off. "Amo o meu pai. Não foi sempre o melhor pai, quando eu era miúdo, mas tornou-se cada vez melhor à medida que foi envelhecendo e ficando mais sóbrio. Essa foi uma grande mudança para mim. O meu pai mostrou-me que as pessoas têm a capacidade de mudar ao longo da vida. E no fundo, 'Peacemaker' é sobre isso, espero".
Gunn diz que o membro do Esquadrão Suicida "não é um herói nem um vilão, é um tipo que usa um fato porque é um bocado exibicionista". Um homem "que tem zonas de sombra, alguns atributos muito maus e extremos. É um tipo que tem de lidar com traumas, e calha ser muito bom a matar pessoas", assinala.
UMA HISTÓRIA DE VIOLÊNCIA (E COMPAIXÃO)
O criador da série considera o protagonista uma figura "muito atual, tem opiniões acerca de muitos assuntos, algumas um pouco extremas. Quis explorar as suas diferenças, mas também o que partilha com outras personagens".
Uma das personagens decisivas para que Peacemaker se confronte com as suas ideias é Leota Adebayo (Danielle Brooks), filha de Amanda Waller (Viola Davis), a manda-chuva do Esquadrão Suicida, e uma das agentes especiais que acompanha o protagonista na nova missão. "Ela considera algumas posições do Peacemaker aberrantes, mas gosta da pessoa que ele é e consegue vê-la para além disso. Ele pode ser racista, é decididamente sexista, mas também parece profundamente triste. Ela vê imediatamente quem ele é. E é essa compreensão que permite que a personagem tenha o início de uma mudança".
Além de Adebayo, as cenas mais emocionais da série são potenciadas pela águia Eagly, a fiel mascote do protagonista e "um caminho importante para a sua humanidade", avança o realizador. "Ele é um tipo que não é vulnerável, não revela afeição por ninguém, não está à vontade com ninguém, e com o Eagly tem a oportunidade de ter uma relação com outra personagem".
"O Esquadrão Suicida" já abria espaço para algum humanismo no meio de uma overdose de violência, caminho percorrido de forma mais vincada em "Peacemaker". "Há muitas pessoas que têm ideais aberrantes, mas não fizeram de propósito. Não tentaram ser ignorantes sobre um certo tema ou ser uma má pessoa. Muitos 'trolls' são pessoas que estão a sofrer, sozinhas em casa. Tento ter compaixão por essas pessoas", conta Gunn. "Tenho esperança de que a humanidade possa ser mais compassiva com os outros, mesmo com aqueles que têm posições estúpidas. Mas gostava que deixássemos de gritar uns com os outros no Twitter, embora também seja culpado disso. Mas fico muito irritado quando acontece. Quando somos gentis, damos abertura para que o outro conheça a nossa posição".
"Nem a Marvel nem a DC me colocaram restrições criativas"
"Na altura em que fiz os Guardiões da Galáxia, perguntavam-me porque é que queria fazer um filme sobre personagens que ninguém conhece quando outras mais populares ainda não tinham tido filmes. Acontece-me sempre isso. Agora voltou a acontecer com o Peacemaker", recorda Gunn.
Vindo do cinema de género, com raízes na série B, o norte-americano tornou-se um nome familiar para o grande público ao dirigir os dois filmes da equipa espacial que fez de personagens obscuras como Star-Lord ou Rocket Raccoon algumas das mais populares da Marvel nos últimos anos. Enquanto prepara o terceiro capítulo dessa saga, assegura que teve sempre "liberdade total" nas grandes produções com super-heróis. "As pessoas têm sempre dificuldade em acreditar, mas nem a Marvel nem a DC me colocaram restrições criativas. Escolhi propositadamente universos que o público em geral não conhecia, por isso pude fazer o que quis com quem quis".
No caso de "Peacemaker", refere que "houve alguns pormenores mais sensíveis no final da temporada", mas nada que comprometesse a sua visão. "No geral, deixaram-me fazer tudo o que queria".
Embora tanto a saga dos Guardiões da Galáxia como a sua versão de "O Esquadrão Suicida" (que sucedeu a "Esquadrão Suicida", de David Ayer, dizimado pela crítica em 2016) sejam das aventuras mais elogiadas dos universos cinematográficos da Marvel e da DC, respetivamente, Gunn diz que não está imune a críticas de fãs. "Pode ser um bocado irritante, se for ao Twitter. Se não for, nem sequer sei que existem. Mas vou, infelizmente sou fraco a esse ponto. Mas todos temos os nossos desafios na vida e esse é irrisório face a tudo o que me pode acontecer".
Ainda assim, confessa que está de acordo com alguns deles por ter deixado uma personagem de fora de "Peacemaker". "Tinha um arco do Weasel que não consegui desenvolver na série, os fãs vão ficar muito chateados com isso", assume entre risos. Esperemos que sejam compassivos quando se aperceberem e reagirem com os quase inevitáveis comentários no Twitter...
Os oito episódios da primeira temporada de "Peacemaker" estão disponíveis na HBO Max a partir desta terça-feira, 8 de março, data do lançamento da plataforma de streaming em Portugal.
Comentários