Em maio de 2016, surgiram as primeiras notícias: a Disney ia fazer a versão em imagem real de "A Pequena Sereia", um dos seus filmes da animação mais admirados e presente na memória dos fãs, prosseguindo a estratégia de refazer as histórias para um público contemporâneo que começou com "Alice no País das Maravilhas", de 2010.

Mas o filme lançado nos cinemas a 17 de novembro de 1989 é mais do que um clássico: após muitos anos de crise, marcou o renascimento do estúdio e um regresso aos tempos de animação desenvolvida por Walt Disney, relançando a obsessão pelas princesas como não se via desde "A Bela Adormecida" (1959) e recuperando a importância da música no género, com Óscares para a banda sonora de Alan Menken e a inesquecível canção "Under the Sea", de Menken e Howard Ashman (falecido em 1991).

O gigantesco sucesso de bilheteira relançou uma nova era artística e comercial que se consolidaria com "A Bela e o Monstro" (1991), a primeira animação nomeada para o Óscar de Melhor Filme, "Aladdin" (1992) e "O Rei Leão" (1994) e que, com altos e baixos, se prolonga até aos nossos dias.

Algo raro, a nova versão que estreia esta semana nos cinemas mantém a equipa artística anunciada há sete anos: o realizador é Rob Marshall, responsável pelo vencedor dos Óscares “Chicago”; David Magee assina o argumento, partindo tanto da animação como do conto original de Hans Christian Andersen; e Alan Menken regressa para compor a banda sonora e escrever novas canções com Lin-Manuel Miranda para juntar às clássicas.

Rob Marshall no centro a comandar as operações

Para Menken, a parte especial de regressar para dar uma segunda vida ao seu trabalho icónico foi o processo de colaboração no grupo e "todos estes elementos que se juntaram tornam [o filme] numa confeção completamente original”, descrevendo a experiência como "maravilhosa" e "incrível" numa das duas conferências de imprensa virtuais em Los Angeles onde participou o SAPO Mag com a equipa atrás das câmaras e os atores, ainda sob o impacto da antestreia mundial na noite anterior no Dolby Theatre, em Hollywood.

“Vindo do teatro, o Rob foi tão protetor da chama como eu achei que teria de ser. Ele agarrou-se ao que era sagrado”, notou.

Rob Marshall não teve dúvidas em aceitar fazer o seu quarto filme sucessivo para a Disney, depois de "Piratas das Caraíbas por Estranhas Marés" (2011), "Caminhos da Floresta" (2014) e “O Regresso de Mary Poppins” (2018).

"Não há nada como trabalhar com eles. Sinto-me apoiado de uma forma gigantesca. Eles deixam-nos fazer o nosso trabalho. Confiam em nós. [...] Este é um filme enorme com um orçamento enorme, mas nunca senti isso. Nunca sinto isso deles. Realmente, respeitam a sério os artistas [...] É por isso que tenho lá estado e fizemos estes filmes com eles. Sentimo-nos em casa lá. E eles queriam que reinventássemos e reimaginássemos. Eles não estão à procura de um 'remake' fotograma a fotograma. Não era isso que eles estavam à procura".

O realizador reforça como o apoio é ainda mais importante neste projeto: "E quem é que vai fazer estes musicais gigantescos? As pessoas já não correm estes riscos. Os musicais são muito complicados. Andamos sempre a falar disso. É como se existisse uma linha ténue. É um ato de equilíbrio. Pode-se sair literalmente dos trilhos e torna-se uma caricatura em dois segundos. [...] Quando alguém começa a cantar, ou é completamente orgânico e parece merecido, ou é o momento de 'Ah, eles estão a cantar e é estranho'" [risos].

O que interessa é o talento... e a história é mais realista

No início de julho de 2019, Halle Bailey foi anunciada como a nova Ariel, a sereia que vive num paraíso subaquático mas está encantada com a vida à superfície, principalmente depois de salvar do afogamento o príncipe Eric (papel do britânico Jonah Hauer-King, após a recusa de outro compatriota mais famoso chamado Harry Styles).

Rob Marshall passou os dois meses num intenso processo de seleção, mas a eleita convenceu logo no início, quando conquistou a equipa com a interpretação do tema "Part of Your World".

"A primeira atriz que vimos foi a Halle. A primeira coisa que ela fez foi cantar para nós. E cantou aquela canção. Fechou os olhos e começou a cantar o tema. Não podia acreditar no que estava a ouvir. E achei que ela estava tão profundamente ligada com o que cantava. Tão emocionante. Tão bonito. E pensei, [risos] 'Oh, meu Deus, estamos a fazer isto há cinco minutos. Encontrámos a Ariel? E tínhamos. Mas não sabíamos disso. Depois vimos centenas de outras atrizes e a Halle continuou a vir. E vimos todas as etnias. Vimos toda a gente. E ela reivindicou o papel para ela. Foi o que aconteceu", recordou.

"Honestamente, a minha primeira reação foi apenas chorar. Acho que tínhamos festejado o aniversário da minha irmã no dia anterior", recorda agora Halle Bailey sobre o momento em que soube que era a escolhida.

E acrescenta: "Estávamos a voltar para casa, a descarregar tudo. Recebi uma chamada do Rob. E não atendo números desconhecidos, portanto vi e nem quis saber. E então, o meu irmão mais novo veio a correr e disse 'atende o telefone, atende o telefone'. [risos] Atendi e o Rob disse 'Olá. Estou à procura da Ariel'. Chorei o dia todo".

"Metade" do grupo R&B Chloe x Halle com a irmã Chloe Bailey (nomeado para o Grammy de artista revelação em 2018) e com um papel secundário, também ao lado da irmã, em várias temporadas da série de comédia "Grown-ish", a escolha da atriz e cantora afro-americana foi tanto celebrada como contestada nas redes sociais. Afinal, como a maioria das princesas Disney, Ariel foi representada na animação como uma jovem de pele branca, cabelo ruivo e olhos azuis.

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Sobre isso não se falou na conferência de imprensa dos atores, mas sim do espírito de família que nasceu do tempo passado nos ensaios em Inglaterra. E com muitos elogios ao talento de Halle Bailey.

"No momento em que a conheci, simplesmente apaixonei-me por ela", recordou o espanhol Javier Bardem, que interpreta o seu pai, o Rei Tritão.

E continuou: "Ela tem esta coisa que não conseguimos evitar amá-la incondicionalmente. [...] Fiquei sempre hipnotizado pela qualidade dela como intérprete, para lá da qualidade como cantora, que conhecia. Mas como atriz, a força de vontade e coragem que tem. [...] E isso foi incrível".

"Acho que o elenco reflete o mundo em que vivemos. E acho que todos merecem ver-se no ecrã. E acho que este filme também celebra interpretações espantosas", disse pouco depois Awkwafina, que dá voz a Scuttle.

Já Jonah Hauer-King, que causou sensação por se apresentar com o cabelo muito curto, em contraste com a imagem no filme cuja rodagem terminou há quase dois anos, destacou como "toda a história, todo o filme parece muito centrado na realidade".

"A parte de ser príncipe e princesa da Disney é incrível, divertida e emocionante, mas ver o filme na antestreia fez-me perceber que, para todos nós, mesmo vivendo neste espaço de fantasia, parece realmente ligado ao mundo real. E os temas parecem ligados ao mundo real de agora", acrescentou.

Nesta altura, Melissa McCarthy, que tem o papel da bruxa do mar Úrsula, interrompe: "Só quero dizer que, em vez de serem estas caricaturas, vocês deram-lhes humanidade. Trataram-nas como se fossem pessoas reais e como toda a gente tem os mesmos problemas, angústias e preocupações. E acho que essa é a grande diferença, vocês trouxeram a vossa humanidade para o ecrã".

Melissa McCarthy como Úrsula

Logo a seguir, o ator destacou a amizade entre o príncipe e Ariel que foi adicionada à icónica história de amor como a sua novidade moderna preferida.

"Os romances da Disney estão sempre cheios desta atração instintiva um pelo outro. Todos nós queremos ver isso. Mas acho que o que foi divertido nisto, e acho que muito disso também veio de nós mesmos fora da ecrã, é que estamos a olhar para Ariel e Eric como duas pessoas que eram almas gémeas que se sentiam um pouco inquietas, atrás das quatro paredes dos seus respetivos castelos, a olhar muito para fora e não para dentro. [...] O relacionamento deles parece realmente merecido. Ambos sentiram que estavam a ensinar coisas um ao outro. Estavam entusiasmados e fascinados pelo mundo um do outro, embora não soubessem disso até ao fim", explicou.

Para Bardem, "um dos temas bonitos na história é que a mãe e o pai, os adultos aprendem com os filhos. É uma lição muito importante sobre o que significa o amor. Pensavam que sabiam, mas não tiveram um vislumbre do que é o verdadeiro amor até verem partir os próprios filhos. [...] Trata-se de respeitar a jornada dos outros".

Rob Marshall nota que "o filme é muito íntimo. Claro que é gigantesco em alguns aspetos, mas de certa forma, é uma pequena história sobre um pai e uma filha. Um pai a aprender a dar-lhe a liberdade, e estas duas almas gémeas a aprender a mudar o mundo e a não ter medo de quem é diferente deles. Esta é uma bela história".

E o que ficou da experiência de ser a nova princesa Disney em Halle Bailey?

"Digo sempre às pessoas que sinto que a Ariel ajudou a descobrir-me a mim própria e a gostar desta versão jovem de mim. Foram cinco anos da minha vida. Dos 18 aos 23, são anos muito intensos e transformadores quando se está a desenvolver como uma jovem mulher. Mas sinto principalmente estes temas do filme e o que ela teve de enfrentar, com as suas paixões, força de vontade e falar por si mesma, e embora possa ser assustador, ela foi em frente. Sinto que estas são coisas que tento adotar e dar agora à Halle. Ela ensinou-me muito, sem dúvida", foi a resposta.

TRAILER "A PEQUENA SEREIA".

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