
Tarzan e Arab Nasser, os cineastas gémeos de Gaza, disseram que nunca pensaram que o título do seu novo filme, "Once Upon a Time in Gaza" ("Era uma vez em Gaza"), teria uma ressonância tão dolorosa.
“Neste momento, não sobra nada de Gaza”, disse Tarzan Nasser quando o filme com coprodução da portuguesa Ukbar Filmes foi apresentado na segunda-feira no Festival de Cannes.
Desde que militantes do grupo palestiniano Hamas atacaram Israel a 7 de Outubro de 2023, mais de 18 meses de bombardeamentos israelitas devastaram grandes áreas do território e mataram dezenas de milhares de pessoas.
Israel prometeu “assumir o controlo de todo” o território sitiado de mais de dois milhões de habitantes, onde as agências das Nações Unidas alertaram para a fome após o bloqueio total de dois meses de Israel.
Na segunda-feira, Israel permitiu a entrada de vários camiões de ajuda, mas a ONU disse que era apenas “uma gota no oceano” de necessidades.
Os irmãos Nasser, que deixaram Gaza em 2012 e cujas fábulas tragicómicas falam da sua terra natal, disseram que o seu novo filme, que decorre em 2007, quando os militantes do Hamas tomaram o controlo da faixa, explica o que antecedeu a guerra catastrófica de hoje.
"Once Upon A Time In Gaza", exibido na secção Un Certain Regard do festival, acompanha os amigos Yahia e Osama enquanto tentam ganhar algum dinheiro extra vendendo drogas enfiadas em sanduíches de falafel.
Usando uma máquina de picar carne manual que não depende de eletricidade rara, o estudante Yahia mistura favas e ervas frescas para fazer bolinhos fritos em formato de hambúrguer nas traseiras do pequeno restaurante decadente de Osama, enquanto sonha em poder deixar a faixa costeira bloqueada por Israel.
Enquanto isso, o traficante carismático Osama visita farmácia após farmácia para acumular o máximo de comprimidos que pode com receitas roubadas, perseguido por um polícia corrupto.
"Seres humanos"

Israel impôs pela primeira vez um bloqueio a Gaza em Junho de 2006, depois de militantes terem levado um dos seus soldados, e reforçou-o em Setembro de 2007, vários meses após o Hamas ter tomado o poder.
“O bloqueio foi gradualmente reforçado, reforçado até chegar ao genocídio que vemos hoje”, disse Tarzan.
“Até hoje estão a contar as calorias que entram”, acrescentou.
Uma ONG israelita afirmou em 2012 que documentos mostravam que as autoridades israelitas tinham calculado que 2.279 calorias por pessoa por dia eram consideradas suficientes para prevenir a subnutrição em Gaza.
No entanto, o Ministério da Defesa afirmou que “nunca contou calorias” ao permitir a entrada de ajuda.
Apesar de tudo isto, os habitantes de Gaza têm sempre demonstrado amor pela vida e sido incrivelmente resilientes, disseram os realizadores.
“O meu pai está no norte de Gaza até agora”, disse Tarzan, explicando que as duas casas da família foram destruídas.
Mas antes disso, “sempre que um míssil atingia o alvo, danificando uma parede ou janela, ele consertava tudo no dia seguinte”, disse.
Nos filmes, “a última coisa que quero fazer é falar sobre Israel e o que está a fazer”, acrescentou.
“Os seres humanos são mais importantes – quem são, como estão a viver e adaptando-se a esta realidade realmente difícil.”
Nos seus filmes anteriores, os gémeos Nasser seguiram um pescador idoso apaixonado pela sua vizinho no mercado em "Gaza Meu Amor" (2020) e filmaram mulheres presas num cabeleireiro em “Degrade” (2015).
Tal como "Once Upon A Time in Gaza", todos foram rodados na Jordânia.
"Gaza era uma riviera"
À medida que o cerco tem os seus efeitos em "Once Upon A Time In Gaza"", um desiludido Yahia é recrutado para protagonizar um filme de propaganda do Hamas.
Em Gaza, “não temos efeitos especiais, mas temos balas reais”, diz o produtor numa cena.
Arab diz que, muito antes de a água das torneiras de Gaza se tornar salgada e o presidente dos EUA Donald Trump gerar polémica ao dizer que queria transformar as suas terras na "Riviera do Médio Oriente", a faixa costeira era um lugar feliz.
"Lembro-me de quando era pequeno, Gaza era, na verdade, uma riviera. Era um sítio lindíssimo. Ainda posso sentir o gosto da água fresca na minha língua", diz.
“Agora, Trump surge com esta grande invenção de que quer transformá-la numa riviera depois de Israel a ter destruído completamente?”
O ataque do Hamas em outubro de 2023 resultou na morte de 1.218 pessoas do lado israelita, a maioria civis, segundo um cálculo da France-Presse baseado em números oficiais.
Os militantes do Hamas também fizeram 251 reféns, 57 dos quais permanecem em Gaza, incluindo 34 que os militares israelitas afirmam estarem mortos.
A ofensiva retaliatória de Israel matou 53.486 pessoas em Gaza, a maioria civis, segundo as autoridades de saúde de Gaza, cujos números as Nações Unidas consideram fiáveis.
As autoridades de saúde de Gaza disseram que pelo menos 44 pessoas foram mortas nas primeiras horas de terça-feira.
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