Os Krahô do Brasil, os Osage dos Estados Unidos, ou os Selknam do Chile. Eles são os protagonistas de alguns dos filmes de temática indígena exibidos no Festival de Cinema de Cannes, que os povos indígenas veem como um novo porta-voz da sua causa.
Até quatro filmes abordam questões indígenas nesta edição da mais prestigiosa competição de cinema do mundo.
Mas, como ressaltam algumas vozes críticas, existem dois tipos de filmes com temática indígena: alguns feitos pelos próprios nativos, e outros, com eles.
Em todos estes filmes da mostra francesa, são cineastas não nativos que quiseram contar a realidade dessas comunidades e os acontecimentos históricos trágicos que as marcaram.
Destes, o mais famoso foi a estreia de "Killers of the Flower Moon", de Martin Scorsese, sobre a misteriosa série de assassinatos que abalou a comunidade dos Osage em Oklahoma na década de 1920, após a descoberta de petróleo nas suas terras.
O lendário cineasta contou com os seus atores favoritos, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, e a atriz indígena norte-americana Lily Gladstone.
"Los Colonos", estreia do cineasta chileno Felipe Gálvez, também conta um episódio sombrio do país latino-americano: o extermínio de indígenas com a colonização da remota Terra do Fogo.
E, em "Crowra (A Flor do Buriti)", o português João Salaviza e a brasileira Renée Nader Messora mostram a vida dos Krahô no centro do Brasil e revelam a chacina que sofreram na década de 1940.
Muito mais metafórico é o argentino Lisandro Alonso e o seu “Eureka”, que conta a história dos Lakota nos EUA e de uma comunidade brasileira, num filme sem fronteiras.
Os argumentistas do filme de Scorsese modificaram o seu trabalho com base nas recomendações dos Osage.
E o argentino Alonso desistiu de filmar os rituais dos Lakota por sugestão de uma das suas atrizes de "Eureka", a jovem Sioux Sadie LaPointe.
"Este pode ser o momento de colocar o assunto na mesa", disse o realizador argentino à France-Presse.
Fator ambiental
Vários fatores são capazes de desencadear este fascínio pelas questões indígenas, entre eles as questões ambientais, segundo Nelly Kuiru, do povo Murui muina da Amazónia colombiana, a cargo da Coordenadoria Latino-Americana de Cinema e Comunicação dos Povos Indígenas (CLACPI).
"Nas agendas internacionais (...) fala-se muito em mudança climática, em crise ecológica. Isso traz mais visibilidade à questão indígena, porque temos de considerar que os povos indígenas administraram territórios imensos (...) sem deteriorar a floresta", diz a responsável do CLACPI, que reúne uma centena de entidades da região.
"Isto abre portas, não só nas questões cinematográficas e audiovisuais, mas também noutros cenários em que se discute um pouco mais a questão indígena", acrescenta.
Há também uma tendência geral de memória histórica para lançar luz sobre as barbaridades que marcaram esses povos, como o massacre dos Selknam na Terra do Fogo.
Para Gálvez, nascido em 1983, trata-se de enfatizar esse crime atroz e deixar de considerar a comunidade Selkman apenas como algo folclórico, como um "souvenir do país", afirma.
Com quatro filmes nas secções de maior destaque do concurso, essa tendência pode reforçar as reivindicações indígenas nos principais festivais do mundo, especialmente com filmes criados por cineastas indígenas, que continuam sendo os grandes ausentes.
"Não viemos para competir com ninguém, viemos para mostrar as nossas realidades", diz Kuiru, também fundadora de uma escola na Colômbia para formar jovens indígenas em linguagem audiovisual.
A comunicação serve para "dar visibilidade de forma saudável, de forma não discriminatória, e poder dizer às outras pessoas que também fazemos parte desta sociedade e que os nossos conhecimentos podem ser soluções", afirma.
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