A Disney entrou na reestruturação do cinema em França: a sua plataforma poderá transmitir os seus filmes 9 meses após o lançamento nos cinemas, em comparação com os atuais 17, para grande consternação do seu antigo parceiro Canal+, o principal financiador da Sétima Arte no país.
O grande estúdio de Hollywood anunciou na quarta-feira que celebrou dois acordos para os próximos três anos, com organizações profissionais de cinema por um lado, e com as do setor audiovisual por outro, para aumentar o seu financiamento para o cinema na França.
Objetivo? Beneficiar em troca de uma melhor posição na 'janela', um termo da indústria que se refere à cronologia que rege as datas em que os filmes podem ficar disponíveis, online e em particular na televisão, após o seu lançamento nos cinemas.
Concretamente, “a Disney+ compromete-se a investir 25% do seu volume de negócios líquido anual gerado na França para financiar obras cinematográficas e audiovisuais europeias e francesas”, face aos 20% até agora (o mínimo imposto por lei desde 2021), anunciaram a plataforma e as organizações profissionais nacionais de cinema (BLIC, BLOC e ARP) num comunicado de imprensa em conjunto.
“A Disney+ compromete-se a investir ao longo de três anos, na compra e pré-compra, na criação cinematográfica, e a financiar um mínimo de 70 filmes ao longo deste período, garantindo ao mesmo tempo uma diversidade de géneros e orçamentos”, acrescenta, sem especificar o montante.
“Isso permitir-nos-á ter, a partir do mês de abril [dia 25, nota do editor], 'Deadpool & Wolverine', que foi um dos grandes sucessos do ano passado nos cinemas da França”, regozijou-se à France-Presse (AFP) Hélène Etzi, a presidente francesa da Disney.
Para obter esta melhor janela de emissão, que a coloca à frente da Netflix (15 meses), mas ainda atrás do Canal+ (6 meses), a gigante americana teve de chegar a acordo com o setor audiovisual, que beneficia de três quartos dos 20% do volume de negócios dedicados pela Disney+ à criação francesa, sendo o restante destinado ao cinema.
“Encontrámos um ponto de equilíbrio entre todos”, explicou Hélène Etzi.
Os 25% anunciados na quarta-feira serão assim distribuídos igualmente (12,5%) no primeiro ano entre cinema e audiovisual. No último ano, 14% irão para o cinema, 11% para o audiovisual.
Ameaça
Os representantes do sector audiovisual (AnimFrance, SATEV, SEDPA, SPI, USPA), registaram em comunicado “a vontade do grupo Disney de evoluir a sua plataforma para um modelo que dê maior importância ao cinema”.
Depois de se manter de fora há três anos, a Disney junta-se assim ao novo acordo interprofissional sobre a janela cronológica, anunciado na terça-feira pela ministra da Cultura Rachida Dati.
Mas a ofensiva da Disney, que recentemente rompeu o acordo de transmissão com o Canal+, privando-o de numerosos conteúdos e lançando uma campanha promocional de subscrições para a sua plataforma, está a irritar o seu antigo aliado.
Poucas horas antes do anúncio da Disney, o Canal+, o principal pilar de apoio à indústria de cinema francesa, ameaçou reduzir os seus investimentos anuais, atualmente de 220 milhões de euros.
Esse valor “vai necessariamente cair, a questão é em quanto”, declarou o presidente do grupo audiovisual, Maxime Saada, numa audição no Senado.
Segundo ele, o valor proposto pela Disney+ ascende a “115 milhões de euros” ao longo de três anos para o cinema, ou “38 (milhões) por ano em média”.
“É aqui que temos uma pequena situação: se a Disney chega aos 9 meses por 35 milhões de euros, para o Canal+ há uma situação de 220 milhões de euros para 6 meses”, explicou o gestor.
“A questão para as organizações cinematográficas (...) é: 'Preferem um modelo em que o Canal+ contribua largamente', mesmo que isso signifique depender dele, 'ou querem libertar-nos desta dependência, mas correm o risco de perder 150 ou 200 milhões de investimentos do grupo Canal+", disse.
Por sua vez, a Netflix, signatária em 2022 do acordo da janela em que se comprometeu a investir cerca de 40 milhões de euros para produzir 10 filmes franceses por ano, cujos direitos ficarão para os seus produtores e criadores, ambiciona disponibilizar os filmes 12 meses após o seu lançamento.
Embora o lançamento em simultâneo de filmes nos cinemas e plataformas de streaming seja cada vez mais habitual nos EUA (ou após 45 dias), as regras são muito mais restritivas na Europa, nomeadamente na França: antes de 2022, as plataformas só tinham acesso aos filmes 36 meses após a sua data de estreia nas salas, um sistema de proteção da indústria do cinema que era visto cada vez mais como arcaico.
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