Na segunda-feira à noite, John Oliver foi o moderador de um debate em Nova Iorque a propósito dos 20 anos de "Manobras na Casa Branca", uma sátira sobre o uso e abuso do poder político através da história de um famoso produtor de Hollywood e um poderoso consultor de comunicação recrutados para tentar evitar um escândalo sexual que envolve o Presidente dos EUA.
Presentes estavam os atores Dustin Hoffman e Robert de Niro, o realizador Barry Levinson e a produtora Jane Rosenthal, mas a habitual sessão de perguntas e respostas teve uma alteração inesperada e tensa quando, ao fim de 20 minutos, o apresentador do "Last Week Tonight" da HBO entendeu usar a "nova relevância" do filme na atualidade para abordar a resposta de Hoffman às acusações de assédio sexual que lhe foram dirigidas.
A 1 de novembro, Anna Graham Hunter, publicou no The Hollywood Reporter (THR) um ensaio em que relatava o sistemático assédio sexual durante a rodagem do telefilme "Death of a Salesman" em 1985, quando era uma estagiária de 17 anos. Quando o jornal pedia uma reação oficial, o ator de 80 anos respondeu que tem "o maior respeito pelas mulheres e sinto-me péssimo que algo que possa ter feito a tenha colocado numa situação desconfortável. Peço desculpa. Isso não reflete quem eu sou".
"Temos de falar disto porque é uma coisa que está a pairar aqui no ar", começou John Oliver, ao que Hoffman respondeu logo "Está a pairar no ar? Fez uma presunção incrível sobre mim baseado em algumas coisas que leu. Tirou a conclusão melhor do que qualquer outra pessoa. Sou culpado".
Ainda que os intervenientes nunca tenham levantado a voz ou saído do lugar, o que se seguiu foram, segundo vários relatos, cerca de 30 minutos de debate tenso, entre defensores de dois pontos de vista diferentes: um "insider" que vê certos atos como normais no contexto especial de fazer um filme e outro que acredita que os mesmos são incorretos em qualquer circunstância.
Apesar da proibição de captar imagens, o Washington Post tem um excerto.
O ator defendeu-se, dizendo não se recordar de ter conhecido Anna Hunter e não tinha assediado ninguém e quaisquer comentários que tivesse feito foram no âmbito da dinâmica "familiar" que existe na rodagem dos filmes.
Porém, John Oliver achou mais problemática a única reação oficial de Hoffman ao assunto, especificamente o "Isso não reflete quem eu sou".
"É o tipo de resposta a este tipo de coisas que me chateia. Reflete quem foi. Se não apresentou provas de que não aconteceu, existiu uma fase durante um tempo em que se portou como um sacana em redor das mulheres. Parece uma desculpa dizer 'não era eu' Percebe como isso parece uma desresponsabilização?", perguntou.
"Não estava lá", foi a resposta, que obteve réplica imediata: "Ainda bem".
Na sua defesa, o ator também tentou justificar o que aconteceu com o contexto da época e que alguns comentários mais explícitos que por vezes surgiam nas rodagens não pretendiam ser ofensivos.
"Também não gosto dessa resposta", disse Oliver.
"Que resposta é que quer?", procurou saber Hoffman.
"Não parece ser uma forma de auto-reflexão que o incidente parece exigir", disse-lhe Oliver. "Não tenho nenhum prazer nesta conversa, mas nem você nem eu somos aqui as vítimas".
O apresentador do "Last Week Tonight" usou a seguir excertos do relato de Anna Hunter e respondeu que ela não tinha razões para mentir quando o ator lhe perguntou se acreditava no que estava a ler. "Bem, ela não falou disto durante 40 anos", foi a resposta que recebeu, altura em que Oliver colocou a cabeça entre as mãos visivelmente frustrado.
Desde que surgiram as revelações contra o produtor Harvey Weistein a 5 de outubro, a maioria dos acusados de assédio sexual limitou-se a lançar curtos comunicados e a manter-se fora da esfera pública, mas Dustin Hoffman é o primeiro a ser confrontado diretamente e a reagir de forma combativa para defender a sua posição e reputação.
Com o público dividido entre os que apoiaram a postura de Oliver e os que estavam incomodados com a discussão, outros intervenientes no debate tentaram aliviar a tensão e abordar o tema de forma mais geral, mas foi Hoffman que, ao fim de 15 minutos, decidiu insistir após uma discussão sobre a forma como as redes sociais estavam a distorcer a cultura e a política.
"Bem, afetou o que você pensa sobre mim", lançou, reiniciando mais 15 minutos de troca de argumentos. "Os chamados 'alegados comentários' que foram feitos agora são verdade", lamentou. "E se tentamos defender-nos, somos culpados", acrescentou.
John Oliver reconheceu que o ator tinha razão, mas insistiu que o assunto era um pouco mais complicado.
Dustin Hoffman também falou de "Tootsie", em que interpretava um ator que fingia ser mulher para conseguir um emprego, como exemplo da sua empatia "feminina", recordando as experiências de misoginia que experimentou quando estava disfarçado.
"Não teria feito esse filme se não tivesse um respeito incrível pelas mulheres. O tema do filme é que ele se tornou um homem melhor por ter sido uma mulher. Para mim é chocante que você não veja isso em mim mais claramente.", afirmou.
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