Com lágrimas nos olhos, Harrison Ford despediu-se, na quinta-feira, da personagem Indiana Jones, que o ajudou a construir uma carreira lendária no cinema, e o Festival de Cannes entegou-lhe uma não anunciada homenagem: a Palma de Ouro honorária na antestreia mundial do quinto filme da saga.
"Harrison, temos uma surpresa para si", disse o delegado-geral do festival, Thierry Frémaux, após chamar ao palco o ator norte-americano de 80 anos, antes da exibição especial de "Indiana Jones e o Marcador do Destino".
Este foi um dos pontos altos da 76.ª edição de Cannes, que já concedeu uma Palma honorária ao também ator norte-americano Michael Douglas na abertura da mostra.
"Sinto-me muito emocionado. Dizem que quando vamos morrer, vê-mos passar a vida em flashes à frente dos nossos olhos, e acabo de ver isso. Grande parte da minha vida, mas não toda a minha vida", disse o ator.
"Cannes, eu também te amo", murmurou.
Após a exibição do filme com 154 minutos (o maior de todos) e apesar de faltar mais do que um mês até que o grande público possa ver Harrison Ford a concluir a história de Indy (29 de junho), chegaram as primeiras reações, que parecem ir no sentido que a espera valeu a pena.
A saga Indiana Jones começou em 1981 com "Os Salteadores da Arca Perdida", que fez sucesso imediato e em todo o mundo.
O quarto episódio foi apresentado em 2008, em Cannes, e a estrela de Hollywood voltou à Croisette, desta vez sob a direção de James Mangold.
Ao pisar a passadeira vermelha, o ator, acompanhado da esposa, Calista Flockhart, causou comoção, sobretudo quando se ouviu a famosa banda sonora da saga, composta por John Williams.
Outros membros do elenco também compareceram à estreia do filme, como Phoebe Waller-Bridge e Mads Mikkelsen.
Os primeiros quatro episódios da saga foram dirigidos por Steven Spielberg, que compareceu a Cannes em 2008 para a exibição de "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal".
A nova produção decorre no fim dos anos 1960, mas os argumentistas incluíram um "flashback" que exigiu o uso de inteligência artificial para "rejuvenescer" (de forma convincente) o rosto de Ford para várias cenas, em mais um exemplo das mudanças recentes no setor audiovisual.
No filme, Indiana Jones precisa voltar a usar o seu chapéu e chicote para enfrentar antigos inimigos nazis, obcecados com um objeto fabricado por nada menos do que pelo sábio grego Arquimedes.
Embora poucos esperassem uma receção a par de “Os Salteadores da Arca Perdida" ou mesmo de “Indiana Jones e a Grande Cruzada", celebrado em 1989 por adicionar Sean Connery como o pai do mais famoso arqueólogo do cinema ("O Templo Perdido" recebeu boas críticas em 1984, mas acusado de ser demasiado violento e assustador), o consenso é que "O Marcador do Destino" corrige a rota depois das reações divididas ao quarto capítulo, "O Reino da Caveira de Cristal".
Para alguns críticos levados pela nostalgia, as cenas que desafiam a lógica e o empolgante tema principal da banda sonora proporcionaram uma sólida diversão sentimental.
"Há muitas perseguições divertidas... alguns encontros assustadores com insetos e uma tumba subterrânea cujas passagens se abrem com um barulho de trituração. O final é extremamente pateta e divertido... (mas) Indiana Jones ainda tem uma certa classe antiga", disse o The Guardian, que lhe atribui três estrelas em cinco.
A revista Variety, com menos entusiasmo, diz que o quinto filme traz a nostalgia, mas não a emoção ("O épico de ação de James Mangold é feito ao estilo de Steven Spielberg, mas a euforia foi-se") e é acompanhada pela The Hollywood Reporter, que ficou menos impressionado com a "fórmula da repetição de perseguições e tiroteios" e "como muito disto parece flagrantemente falso" de "um filme grande e bombástico que avança, mas nunca encontra muita alegria no processo, apesar da banda sonora esforçada de John Williams continuamente pressionar os nossos botões de nostalgia e tentar convencer-nos que estamos numa grande aventura".
Tirando os primeiros 45 minutos, o crítico do IndieWire também não ficou nada convencido, chamando-lhe um "quase completo desperdício de tempo" e "um alerta elaborado de que é melhor deixar algumas relíquias onde e na altura em que pertencem".
Mas o Deadline elogia a despedida e a forma como Mangold gere bem as cenas de ação para não se tornarem aborrecidas e como isso invoca a sensação de uma boa e velha aventura de Indiana Jones, ao mesmo tempo que tira o máximo proveito da tecnologia moderna.
Atribuindo uma classificação de quatro estrelas, a revista britânica Total Film nota como o filme é "uma mistura altamente satisfatória de ação, humor e emoção", mas apesar de todo o espetáculo, o coração é mesmo Ford como Indiana Jones.
Atribuindo a mesma classificação, a revista britânica Empire diz que o filme tem "um final excêntrico que pode dividir o público, mas se nos juntámos a ele para a aventura, parece uma despedida adequada ao ladrão de túmulos favorito do cinema".
Também atribuindo quatro estrelas, o crítico da Radio Times elogia a grande interpretação de Ford ("uma das suas mais emocionais como Indy, em que aceita o seu corpo envelhecido e os arrependimentos da vida") e nota que "talvez o filme pudesse ter sido mais ousado - parece bastante seguro - mas os fãs vão deixar os cinemas a sentir que o seu antigo herói teve nele uma última grande aventura".
Dando três estrelas, Geoffrey Macnab, do The Independent, concorda, escrevendo que embora possa ser "um bom momento para colocar um ponto final" na própria saga, a sua estrela principal ainda brilha: "Harrison Ford é o herói do momento. Ele nunca perde o seu feitio carrancudo ou a sua obstinação. Ele interpreta até as cenas mais frágeis com convicção e humor seco. A sua atuação carrega o filme".
Quinze anos depois
Não é fácil assumir uma saga icónica como Indiana Jones, mas o novo realizador James Mangold diz que queria apresentar a "melhor versão" do que o seu herói de infância, Steven Spielberg, tinha feito com os quatro filmes anteriores.
O lendário realizador "foi um herói para mim durante toda a minha vida. Vi o primeiro filme de Indiana Jones quando tinha 17 anos. É uma cadeira grande para uma pessoa se sentar... mas também foi uma grande oportunidade pessoal", disse Mangold à France-Presse numa entrevista.
Realizador de "Walk the Line" e "Logan", Mangold disse que a versão final do filme foi "a minha melhor versão de Steven, meio a imitar o meu mentor e a tentar contar uma história. Claro, ainda sou eu e não ele".
Numa Hollywood aparentemente saturada de filmes de super-heróis, Mangold diz que os filmes de ação da "velha escola" ainda têm o seu lugar.
“Talvez não estejam na moda, mas acho que é revigorante para as pessoas”, numa época em que “tudo tem de ser tão rápido que nem permite que as personagens ou a história respirem”, nota, alertando para o perigo de novos efeitos visuais serem "usados com exagero".
No entanto, "O Marcador do Destino" não foge dos efeitos especiais digitais, e uma das sequências mais impressionantes foi filmada em estúdio.
O filme começa com um 'flashback' de cerca de 20 minutos, no qual Ford rejuvenesce cerca de 40 anos.
"É preciso muito dinheiro para fazer isso", confirma Mangold sobre a técnica cada vez mais cobiçada.
E acrescenta: “Não tenho certeza se isso tem relevância na maioria dos filmes, pode-se fazer tanto de outras formas com maquilhagem e iluminação se esses forem os seus desafios”.
Mas, embora Ford ainda esteja "bastante em forma" aos 80 anos, como é que se lida com um Indiana Jones que deveria estar reformado há muito tempo?
“Tem de se ser honesto com o público e parte dessa honestidade é lidar com a idade”, responde o realizador.
O objetivo era inventar uma história que fosse "honesta e abordasse o tempo, o envelhecimento, o arrependimento e a escolha. Como é ser um herói numa época em que já não se é aclamado?".
Quanto ao herói de Mangold, Spielberg, ele deu o sinal positivo ao último filme.
"É realmente um bom filme de 'Indiana Jones'", disse o lendário cineasta à revista Variety em abril.
“Quando as luzes se acenderam, virei-me para o grupo e disse: 'Bolas! Achava que era o único que sabia fazer um destes'", contou.
TRAILER.
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