Os atores de Hollywood em greve temem que a Inteligência Artificial (IA) afete os seus empregos, mas para os duplos de ação e risco, essa ameaça distópica já é real.

De séries como "A Guerra dos Tronos" aos mais recentes filmes de super-heróis da Marvel, há algum tempo que os estúdios reduzem custos ao usar figuras humanas geradas por computador para reduzir o número de atores necessários nas cenas de batalha.

A ascensão da IA permite explorar técnicas mais baratas e potentes para criar sequências de ação de alta complexidade, como perseguições de carros e tiroteios, sem (custos) humanos.

O trabalho dos duplos de ação, uma tradição consagrada de Hollywood que vai desde os filmes mudos de época até ao último capítulo da franquia "Missão Impossível", corre o risco de se reduzir rapidamente.

"A tecnologia está a ficar exponencialmente melhor e mais rápida", disse à France-Presse (AFP) Freddy Bouciegues, coordenador de duplos de filmes como "Free Guy" e "Exterminador Implacável: Destino Sombrio".

"Na verdade, agora é um momento assustador", afirma.

Freddy Bouciegues

Os estúdios já estão a pedir a duplos e a atores secundários que participem em "scans corporais" tridimensionais de alta tecnologia, sem explicar como, ou quando, as imagens serão usadas.

Os avanços na IA permitem usar as semelhanças físicas para criar "réplicas digitais" detalhadas e preocupantemente realistas, capazes de realizar qualquer ação, ou de falar qualquer diálogo que os seus criadores desejarem.

Bouciegues teme que os produtores possam usar esses avatares virtuais para substituir duplos "indefinidos", como pedestres a fugir de uma perseguição de automóveis.

"Pode existir um mundo em que eles digam: 'Não, não queremos contratar estes 10 tipos (...) só vamos adicioná-los depois com efeitos e IA'. Agora esses tipos não têm trabalho", acrescenta.

De acordo com o realizador Neill Blomkamp, cujo novo filme "Gran Turismo" chega aos cinemas este mês, esse cenário é apenas a ponta do icebergue.

O papel que a IA desempenhará em breve na criação de imagens a partir do zero é "difícil de calcular", disse o cineasta à AFP.

Inicialmente, "Gran Turismo" usou duplos a conduzir veículos reais em pistas reais, com alguns efeitos gerados por computador, acrescentados para alguma cena especialmente perigosa. Blomkamp prevê que, dentro de apenas seis a 12 meses, a IA chegará ao ponto em que se poderá gerar sequências realistas, como acidentes a alta velocidade, com base apenas nas instruções do realizador.

O elemento humano

"Top Gun: Maverick"

A ausência de garantias sobre o uso futuro da IA é um dos pontos-chave da greve dos Sindicatos dos Atores de Cinema (SAG-AFTRA) e dos Argumentistas de Hollywood, com o segundo já a ultrapassar 100 dias de paralisação.

No mês passado, o SAG-AFTRA alertou que os estúdios estavam a tentar criar réplicas digitais realistas de atores para usá-las "pelo resto da eternidade em qualquer projeto que quisessem". Tudo pelo custo de um dia de trabalho.

Os estúdios contestam isso e afirmam que ofereceram regras que incluem consentimento informado e compensação.

Mas, além das implicações potenciais para milhares de empregos, Bouciegues adverte que não importa o quão boa essa tecnologia se tenha tornado: "o público ainda pode perceber" quando está a ser enganado por efeitos visuais gerados por computador.

Mesmo que a IA seja capaz de replicar perfeitamente batalhas, explosões ou acidentes, ela não pode substituir o elemento humano vital para qualquer filme de ação de sucesso, explicou, citando as recentes sequências de "Top Gun" e "Missão Impossível", protagonizadas por Tom Cruise.

"Ele usa duplos reais e faz acrobacias reais, e pode-se ver isso no ecrã. Para mim, sinto que isso afeta inconscientemente o espectador", explicou Bouciegues.

A tecnologia AI atual ainda oferece "resultados ligeiramente imprevisíveis", concordou Blomkamp, que começou a sua carreira em efeitos visuais e dirigiu o nomeado aos Óscares "Distrito 9".

"Mas está a chegar (...) Vai mudar fundamentalmente a sociedade, sem falar em Hollywood. O mundo será diferente", projeta.

Para duplos de risco, como Bouciegues, hoje o melhor resultado é obtido misturando-se o trabalho de atores humanos com efeitos visuais e IA para conseguir sequências que poderiam ser muito perigosas se feitas apenas com as velhas técnicas.

"Não penso que esta profissão vá um dia acabar", diz Bouciegues.

Mas "com certeza, vai reduzir-se e ficar mais precisa", concluiu.