Onde estão as mulheres? Na filmografia de Karim Aïnouz, respondem os cinéfilos. Influenciado pelo americano Todd Haynes, o cineasta brasileiro quer "preencher as lacunas" de uma indústria que, por muito tempo, ignorou as mulheres, as minorias e os homossexuais.

O público francês vi-o em "A Vida Invisível", filme de estética pungente dedicado à condição feminina e ao machismo no Brasil, contemplado com o prémio Um Certo Olhar em Cannes em 2019.

Na quarta-feira, ele regressa às salas francesas com "Firebrand", um retrato de Catherine Parr, última esposa do rei da Inglaterra Henrique VIII, com Alicia Vikander e Jude Law. A estreia portuguesa ainda não tem data.

"É um mundo muito distante do meu", confidencia à France-Presse o cineasta de 58 anos, falando um francês fluente. Habituado a relatar a época e personagens contemporâneos, desta vez ele mergulha no universo dos Tudor.

O ponto de partida foi o desejo de uma produtora de vê-lo dirigir um filme sobre esta personagem importante e esquecida da História.

Todd Haynes, "um mestre"

"Firebrand"

Embora não se veja lançando-se num filme de época, faz-se, no entanto, a seguinte observação: o cinema nutre uma "obsessão pelas mulheres assassinadas, decapitadas. As outras não têm direito ao seu filme", critica o cineasta, filho de mãe brasileira e pai argelino, que praticamente não conheceu.

Sobretudo, ele diz que um filme como este é uma "oportunidade incrível de contar a história de um império, vindo eu mesmo de países que foram colonizados".

É uma raridade ainda hoje em dia, ressalta, dando como único exemplo o filme "Elizabeth: a Idade de Ouro", sobre a Rainha Isabel I, interpretada por Cate Blanchett.

Após estudar arquitetura, Karim Aïnouz foi estudar cinema nos EUA. Foi aí que conheceu Todd Haynes, realizador de "Carol" e "May December: Segredos de Um Escândalo", trabalhando com ela na sua primeiro longa-metragem, "Veneno" (1991).

"É um mestre, influenciou-me muito", diz. "É alguém que pôs as mulheres em primeiro plano. Foi um choque para mim, vindo de uma tradição cinematográfica muito masculina e muito branca".

Nos anos seguintes, os dois filmam várias curta-metragens, antes do lançamento, em 2002, do primeiro filme de Aïnouz, "Madame Satã". A longa é inspirado livremente no personagem de João Francisco dos Santos (1900-1976), mais conhecido pelo apelido "Madame Satã", um homem negro ao mesmo tempo vigarista e travesti.

"Oásis matriarcal"

"A Vida Invisível"

Este primeiro filme contém todos os temas caros a Karim Aïnouz, que mora em Berlim há 15 anos. A cada vez, uma obsessão: criar o retrato de personagens marginalizados em função do género, da cor da pele e da identidade sexual.

"O meu cinema é um pouco aquele da lacuna. Preencher as lacunas de uma História do Brasil que marginalizou as populações negras e as mulheres", diz, dando como exemplo as telenovelas, nas quais, durante muito tempo, só havia "personagens brancas".

Seguiram-se outros filmes, assim como a série da HBO "Alice" (2008), e "A Vida Invisível", que impulsiona o seu trabalho.

Em 2021, ele apresenta no Festival de Cannes o seu filme mais íntimo: um documentário sobre a sua descoberta da Argélia, onde esteve para refazer a trajetória do pai.

"Este filme sobre o meu pai transformou-me num filme sobre a minha mãe", ironiza.

Parece evidente que ele nunca escapa realmente do desejo de contar histórias de mulheres.

"Creio que o meu apego às personagens femininas vem do facto de ter sido criado numa casa onde não havia homens. Era um oásis matriarcal", resume.