Abalado por uma nova onda de acusações de violência sexual, o cinema francês reúne-se na sexta-feira à noite para a 49.ª edição dos Prémios César, com o filme “Anatomia de uma Queda” entre os grandes favoritos.

O que devemos esperar? Do comportamento de Gérard Depardieu às acusações de violação de uma menor feitas pela atriz Judith Godrèche contra os cineastas Benoît Jacquot e Jacques Doillon, seguidas dos depoimentos de outras atrizes, a questão da violência sexual volta a assombrar o cinema francês.

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E com ela, a ideia de que, entre os cineastas, atores e demais profissionais da Sétima Arte que passarão pelo Olympia, alguns tenham conseguido fechar os olhos a este tipo de factos. 'A priori', nenhuma das pessoas citadas é alvo de acusações.

O ator Samuel Theis ("Anatomia de uma Queda") está sob investigação após um técnico apresentar queixa de violação contra ele enquanto rodava um filme no verão passado, mas não faz parte dos nomeados.

De forma mais ampla, a Academia agora tem uma regra de “não destacar” pessoas que tenham sido acusadas pela justiça “por atos de violência”: nenhum convite para eventos ligados aos César, nenhuma entrega de estatuetas no palco, nem um discurso caso um vencedor esteja em causa.

Todos têm na memória a cataclísmica edição de 2020, onde Roman Polanski, acusado de violação, recebeu o prémio de Melhor Realização por “J'Accuse - O Oficial e o Espião”, provocando a saída da atriz Adèle Haenel da cerimónia.

Como Florence Foresti tentou em 2020 com Polanski, o assunto talvez seja abordado pelo ângulo do humor no palco durante a cerimónia, presidida por Valérie Lemercier.

"Anatomia de uma Queda"

Em termos de prémios, “Anatomia de uma Queda”, Palma de Ouro em Cannes e com cinco nomeações para os Óscares, deverá continuar o seu percurso extraordinário. Recebeu 11 nomeações e o troféu de Melhor Filme deverá ser disputado entre a longa-metragem de Justine Triet e "Reino Animal", filme fantástico de Thomas Cailley, que também combinou o sucesso de crítica e nas salas (12 nomeações).

Os dois cineastas também concorrem ao prémio de Melhor Realização: aos 45 anos, Justine Triet fará história no César se se tornar a segunda realizadora a ganhar este troféu, um quarto de século após Tonie Marshall por "Vénus beauté (institut)", na cerimónia de 2000.

Sinal de que as coisas estão a mudar, outras duas realizadoras (de cinco) estão na corrida: Catherine Breillat, 75 anos, por "No Verão Passado", uma história de incesto em ambiente burguês com Léa Drucker (nomeada para Melhor Atriz) e Jeanne Herry com "Je verrai toujours vos visages", um filme coral sobre a justiça.

Quanto aos intérpretes, a atriz alemã Sandra Hüller está na corrida por “Anatomia de uma Queda”, tal como Hafsia Herzi, por “Le ravissement”, dezasseis anos depois de ter sido coroada como a Melhor Esperança. Romain Duris (“O Reino Animal”), cuja quinta nomeação ao César nos seus trinta anos de carreira, pode finalmente representar a vitória.

Revelação do ano, Raphaël Quenard concorre tanto como Melhor Esperança (por “Chien de la casse”) quanto como Melhor Ator (pela comédia “Yannick”).

Raphaël Quenard em "Yannick"

Encontro ritual, a cerimónia dos César continua à procura da fórmula mágica que lhe permita aumentar as suas audiências televisivas.

No ano passado, os César registaram um aumento da audiência, com 1,7 milhões de espectadores. A escolha de diversos atores que se sucederam no palco ajudou a quebrar a monotonia da noite.

A experiência é renovada, partilhada por valores seguros da comédia (Dany Boon, Jean-Pascal Zadi, Paul Mirabel), bem como atores e atrizes apreciados pelo público (Juliette Binoche, Benoît Magimel, Bérénice Béjo...).

A atriz e realizadora Agnès Jaoui e o cineasta britânico Christopher Nolan (“Oppenheimer”) receberão Césars honorários.

A noite, que muitas vezes é ocasião para reivindicações políticas ou sociais, será também um batismo de fogo para a nova Ministra da Cultura, Rachida Dati. A cerimónia deverá começar às 21h00 locais no Olympia e ser transmitida sem estar codificada no Canal+.

“Interdito a Cães e Italianos” dentro, "Ice Merchants" fora

"Interdito a Cães e Italianos"

Na corrida aos prémios está “Interdito a Cães e Italianos”, de Alain Ughetto, com coprodução da portuguesa Ocidental Filmes, na categoria de Melhor Filme de Animação.

De fora ficou a curta-metragem “Ice Merchants”, de João Gonzalez, que era candidata à categoria de Melhor Curta-metragem de Animação.

“Interdito a Cães e Italianos” vai competir com “Linda veut du poulet!”, de Chiara Malta e Sébastien Laudenbach, e “Mars Express”, de Jérémie Périn.

“Interdito a Cães e Italianos” é uma longa-metragem de animação em ‘stop motion’, com animação de volumes, que resulta de um trabalho de coprodução entre nove produtoras de França, Itália, Suíça, Bélgica e Portugal, através da Ocidental Filmes.

De acordo com esta produtora, a participação portuguesa passou pela integração de profissionais nas equipas de animação e ‘compositing’ e pelo trabalho de montagem e misturas de som, realizadas nos estúdios em Gavião de Ródão, Castelo Branco.

O filme, que se estreou em sala em Portugal em março do ano passado, contou também com apoio financeiro do Instituto do Cinema e Audiovisual de 2020.

“Interdito a Cães e Italianos” é um filme sobre emigração italiana no início do século XX, mas é também sobre memória e laços familiares, seguindo os passos de Luigi Ughetto, avô do realizador.