Morreu Ennio Morricone. Tinha 91 anos.

O lendário compositor morreu numa clínica em Roma onde se encontrava hospitalizado após uma fratura de fémur na sequência de uma queda.

Ennio Morricone "morreu ao amanhecer de 6 de julho no conforto da fé", indica o comunicado do advogado e amigo da família, Giorgio Assuma, citado pelos vários jornais italianos hoje de manhã.

"Esteve totalmente lúcido e manteve uma grande dignidade até ao último momento", acrescenta o mesmo comunicado.

"Adeus 'maestro' e obrigado pelas emoções que nos ofereceste", disse Roberto Speranza, ministro da Saúde do governo de Roma, através de uma mensagem difundida pela rede social Twitter.

As bandas sonoras

Prémio Princesa das Astúrias das Artes, anunciado apenas a 5 de junho, "Il Maestro" ("o maestro"), como insistia em ser chamado, autor de mais 500 bandas sonoras e reconhecido por melodias únicas como o assobio de "O Bom, o Mau e o Vilão" (1966) ou o magnífico solo de oboé de "A Missão" (1986), era um dos mais populares e amados compositores da história do cinema.

Em atividade desde 1960 até este ano, combinando sabiamente a imagem com melodia, para a história fica logo a revolução da música dos "western spaghetti" de Sergio Leone, um antigo colega de escola, que começou com "Por Um Punhado de Dólares" (1964).

"Falávamos com muita antecedência. Mas embora Leone me explicasse como seria o seu filme, ele não me dava ordens. Era eu que lhe explicava o que tinha em mente, segundo o que ele me descrevia. Raras foram as vezes em que me disse 'não, eu preferiria isso e não aquilo'. Depois dessa primeira banda sonora, ele pediu-me para fazer algo similar para 'Por Mais Alguns Dólares' [1965]. Aceitei. Mas para o terceiro filme, 'O Bom, o Mau e o Vilão', opus-me. Disse-lhe: 'Não quero que a gente trabalhe assim. Não quero repetir-me, deixe-me fazer o que quiser'. E acho que fiz bem", explicava numa entrevista à agência AFP em 2018.

De uma forma inovadora, a música era escrita antes da rodagem, o que levou várias vezes o realizador a reescrever cenas.

"Para a sequência de abertura de 'Aconteceu no Oeste' [1968], em que o homem da harmónica [Charles Bronson] é esperado por aqueles que querem eliminá-lo, Leone modificou os seus planos e a localização da câmara em função da minha música", recordava na mesma entrevista.

A partir desta colaboração, Ennio Morricone intercalou o cinema europeu com Hollywood numa prolífica carreira em que se destacam títulos como "Aconteceu na Oeste", "A Batalha de Argel", "Era Uma Vez na América", "Os Intocáveis" ou "Cinema Paraíso".

"ENNIO MORRICONE: CINEMA PARAÍSO"

Recebeu um Óscar de homenagem pela carreira (2006) e finalmente um competitivo por "Os Oito Odiados" (2015), de Quentin Tarantino.

O ÓSCAR PELA CARREIRA, ENTREGUE POR CLINT EASTWOOD.

Trabalhou com Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Dario Argento, Gillo Pontecorvo e Pedro Almodóvar, John Huston, Roman Polanski, Samuel Fuller, Brian De Palma, tornando-se um artista emblemático do século XX cuja influência extravasou o cinema.

Um grande inovador para a sua época, usava sons invulgares nas bandas sonoras, como assobios e guitarra elétrica.

"Não era tão difícil convencer os realizadores. Sabiam que não me interessava criar composições tradicionais, por isso também me procuravam. Gostava de trabalhar o som da realidade, o que ouvimos todos os dias. Esses ruídos que nos cercam têm a sua própria música e poderiam compor outra comigo", explicava em 2018.

Definindo como o seu mestre o compositor italiano Goffredo Petrassi (1904 - 2003), tinha entre os seus autores preferidos Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez, Luigi Nonno, Aldo Clementi, Igor Stravinsky, Bach e Palestrina Monteverdi.

Mas sorria quando era comparado a compositores clássicos da dimensão de Gioachino Rossini ou Mozart, também muito prolíficos.

"O facto de ter sido capaz de compor música com total liberdade, e tão diversas, foi possível não apenas porque tinha a técnica, mas porque era necessário que mudasse sistematicamente o meu estilo de composição. O filme exigia. Acostumava-me, ficava sempre diferente", explicava noutra entrevista à agência AFP em 2017.

Quando lhe perguntavam como desenvolveu a sua educação musical, dava um exemplo.

"Quando estava no conservatório, conhecia um estudante que admirava, até o limite da obsessão, a obra de Giovanni Pierluigi de Palestrina, um compositor do Renascimento. Essa paixão impediu-o de avançar na sua própria formação, crescer como compositor. Quis evitar isso. Estudei as correntes clássicas, da Idade Média aos contemporâneos. Claro que gostei de muitas coisas, mas abstive de me apaixonar. De modo que ninguém me influenciou de forma particular", explicava há dois anos.

Dirigindo uma orquestra e coro de mais de 200 pessoas, e tendo como convidada especial Dulce Pontes, Ennio Morricone esteve pela última vez em Portugal a 6 de maio de 2019, com um concerto em Lisboa na Altice Arena, no âmbito da digressão mundial de grande sucesso “60 Years of Music World Tour”.

Apesar do sucesso e impacto duradoiros, na entrevista de 2017 garantia que não tinha uma receita.

"Não há receita para nada. Tentei muitas receitas. Tentei inventar uma maneira de escrever música melódica repleta de pausas. Quase monossílabos ou três sílabas juntas e depois uma pausa. Como um pensamento que vai e volta, que se repete de forma diferente. Sempre quis mudar, mas no final pareço-me sempre comigo mesmo", resumia.