A música feita pela comunidade cigana portuguesa é o foco de um filme, a exibir no sábado em Lisboa, que mostra que "há um cantar livre, espontâneo" e à margem, disse à Lusa o realizador, Tiago Pereira.

"A música invisível", que se estreia no sábado no Festival Política, no Cinema São Jorge, é um filme de montagem a partir dos mais de 250 vídeos que Tiago Pereira gravou em todo o país, entre 2019 e 2021, com a comunidade cigana portuguesa, e que deu origem ao projeto A Música Cigana A Gostar Dela Própria.

A partir dessas gravações, feitas sobretudo de atuações de música, dança e curtas entrevistas, Tiago Pereira traça um breve retrato sobre a relevância da música no quotidiano cigano e que, segundo o realizador, é "muito forte" e praticamente invisível no panorama cultural português.

"Eles são portugueses, estão cá há 500 anos, nascem aqui gerações e gerações consecutivas, fazem música, a música na comunidade deles está sempre viva. Toda a gente anda pelo país a gravar, vai gravar ao Alentejo, grava cante e passa ao lado dos ciganos e não grava os ciganos, porquê? É porque não são considerados", lamentou.

Tiago Pereira, realizador e documentarista, diz que este filme é uma tentativa de compreender e mostrar o que é a música cigana portuguesa, fortemente influenciada pelo flamenco, profundamente ligada à religião e fruto de uma aprendizagem que se faz quase sempre de forma autodidata dentro da comunidade.

"Nós devemos-lhes isso. Entender que eles ainda têm uma comunidade viva, que nos mostra que há um cantar livre, espontâneo, que faz parte da forma orgânica da sua cultura e que nós perdemos isso e nunca mais vamos recuperar", afirmou Tiago Pereira.

No filme entram músicos profissionais e amadores, crianças, jovens, homens e algumas mulheres, entre cantores e guitarristas, com opiniões distintas sobre o que é a música cigana e que caminhos pode seguir, dentro e fora da tradição.

Tiago Pereira dá a conhecer, por exemplo, o músico Armando Cabreiras, conhecido como Raspa, o guitarrista António Chinês Jimenez, o ‘rapper’ Lukas e o guitarrista José Pedro Lima, não cigano, e que quer gravar com aquela comunidade.

"O que eu gostava mesmo que acontecesse é que a música vingasse por ela própria, que houvesse mais projetos e deixavas de dizer que era música cigana. Era música. Não interessava se era cigano ou se não era cigano. Isso é o mundo ideal, quando deixar de haver essa fronteira da etnia", sublinhou Tiago Pereira.

No trabalho de campo, que Tiago Pereira tem feito há mais de uma década, em particular no projeto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, o realizador reconheceu alguma resistência da própria comunidade cigana em se deixar gravar, em particular dos mais velhos, que alegam cantar sobretudo por razões espirituais, ou por saberem que ainda há preconceito.

Para Tiago Pereira, o objetivo é sempre o mesmo, seja ou não música cigana: "As pessoas existem, estão lá a tocar, mas ninguém sabem que elas são e tu de repente sinalizas, mostras e divulgas que esta música existe".

Na estreia de "A música invisível" em Lisboa, haverá ainda uma atuação do grupo cigano La Família Gitana, com a participação do poeta António Poppe.

O filme será também mostrado em Braga - onde o Festival Política terá programação -, com sessão marcada para 7 de maio no Centro de Juventude, e com a participação do músico Raspa.