Coloquemos em “pratos limpos” os reais motivos da primeira longa-metragem de Gabriel Abrantes (em parceria com Daniel Schmidt), existir: por debaixo das caricaturas de Ronaldo e do humor deslocado e desvairado, "Diamantino" tende em seguir uma sátira ácida aos movimentos populistas e nacionalistas que tem crescido por toda a Europa (e não só … Portugal não tem sido exceção).

Nesta feita, partimos para um país imaginário num futuro alternativo e não pouco distante da nossa previsão, para encontrarmos o homónimo Diamantino, o maior craque do futebol, um exemplar perfeito do mundo desportivo.

O Midas, assim por dizer, perde o seu dom repentinamente, em paralelo com a morte do seu “querido” pai. O protagonista, sem o intelecto necessário para perceber a sua situação, entra num vórtice existencialista e tenta preencher os vazios com atos humanitários, entre os quais adotar uma criança “refugiada” (sem ele saber que é uma agente infiltrada do Interpol) e integrar a campanha de um Partido Político Renovador (que na verdade esconde uma agenda de supremacia nacionalista).

Carloto Cotta, ator habituado a aventuras foras dos habituais contextos do cinema português (como as obras de Miguel Gomes e o esquecido "Paixão", de Margarida Gil), veste com genica este suposto heterónimo de Cristiano Ronaldo, invertendo alguns maneirismos e distorcendo o seu biotipo (as suas irmãs “malvadas”, interpretadas pelas gémeas Anabela e Margarida Moreira), sem nunca se afastar da proposta caricatural.

Obviamente que essas similaridades são chamarizes para que o espectador embarque na corrente da crítica social e política desta rábula de humor direcionado que dispara com jovialidade e encanto de um visual over-the-top. Aliás, é na sua estética (e digamos, um trabalho astuto no campo dos efeitos visuais), o qual Gabriel Abrantes trabalhou para o conceber na sua jornada pelo universo das curtas-metragens [ver com especial atenção “Humores Artificiais” e o segmento “Freud and Friends” do coletivo “Aqui em Lisboa”], que “Diamantino” parece ganhar um propósito na história do nosso cinema. Um fruto, há muito esperado, diga-se de passagem, das novas gerações e dos olhares (longe de um suposto niilismo) frescos quanto à posição da nossa “indústria” para com o país e com o Mundo.

Se há motivos de celebração, “Diamantino” está longe de ser um exercício perfeito. A ausência de dinamismo na sua concepção e da farsa, que tende em dissipar-se no decorrer da narrativa, tornam-no um objeto frágil como um castelo de cartas. Mas face a estas marés “velhacas” da arte do "storytelling", o filme de Abrantes e Schmidt é um autêntico OVNI que promete, sobretudo, futuras reavaliações.

Há muito tempo que não se via um filme português assim … tão … estranho!

"Diamantino": nos cinemas a 4 de abril.

Crítica: Hugo Gomes

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