A HISTÓRIA: Enquanto procura a sua mãe desaparecida, a jovem corajosa Enola Holmes usa os seus dotes de detetive para passar a perna ao seu irmão Sherlock e ajudar um Lorde.
"Enola Holmes": disponível na Netflix a partir de 23 de setembro.
Crítica: Filipa Moreno
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Escrito ao contrário, Enola quer dizer alone. Ou “sozinha”. É a própria Enola (Millie Bobby Brown) que nos explica esse traço da sua personalidade, várias vezes, ao longo do filme batizado com o seu nome.
Está sozinha porque a mãe, Eudoria (Helena Bonham Carter), desapareceu na manhã do seu 16º aniversário.
Está sozinha porque os irmãos Sherlock (Henry Cavill) e Mycroft (Sam Claflin) nunca a visitaram. Mycroft pasma-se com a sua falta de modos e decide que o seu destino deve ser um colégio para aprender a ser uma "lady". Já Sherlock anda por ali durante 2 horas a achar-lhe muita piada. E é só isso.
Está sozinha porque foi assim que cresceu, a ler todos os livros da biblioteca de casa e aprender com a mãe a defender-se a si própria, o que acaba por dar jeito quando se cruza com um jovem marquês que alguém tenta assassinar.
"Enola Holmes" é construído à medida da também co-produtora Millie Bobby Brown, estrela de “Stranger Things” e coqueluche da Netflix. Harry Bradbeer (conhecido pela série “Fleabag”) é o realizador, mas apesar da energia e rapidez que imprime ao filme não consegue salvá-lo do que é: uma aventura juvenil que se agarra à fama de Millie para sobreviver.
E sim, a jovem atriz é o fator mais interessante, com um desempenho jovial, descontraído e determinado. Mas o guião coloca-a em posições difíceis.
Tão depressa lhe pede que seja a menina abandonada pela mãe, como se exige que seja um símbolo feminista dos tempos modernos.
Tanto se quer uma heroína para as espectadoras mais jovens da Netflix, como se permite que a sua personagem se entregue ao romance forçado com o marquês Tewksbury (Louis Partridge), envolto numa música ambiente que contrasta com o tom enérgico e faz a lembrar a rapidez dos “Sherlock Holmes” realizados por Guy Ritchie.
Num momento, Enola é ingénua. Noutro, é perspicaz o suficiente para passar a perna a Sherlock.
Com uma família assim...
Como Sherlock Holmes, Henry Cavill não tem a vida facilitada. Deambula pela história num misto de nostalgia e fascínio, conformado com Mycroft no papel de vilão. Não é o anti-herói excêntrico, denominador comum às adaptações recentes do clássico de Sir Arthur Conan Doyle.
Mycroft também resvala para o exagero. É um bastião da moral e bons costumes. Uma senhora sem luvas? Que horror. Sam Claflin deixa uma impressão mais permanente do que Cavill, mas parecem ambos aqueles primos afastados da família.
Como mãe críptica de Enola, Helena Bonham Carter tem cenas interessantes, sobretudo por representar o inconformismo e a luta das mulheres pelo direito de voto, valores que transmite à filha.
Onde "Enola Holmes" mais se perde é na adaptação da história. A personagem não pertence ao universo de Conan Doyle, mas à série de livros juvenis que Nancy Springer lançou em 2006. Também é anterior a Eurus, uma outra irmã, maléfica, inventada na série “Sherlock” da BBC. Parece haver um paralelismo entre as duas personagens quando o filme da Netflix tenta justificar uma certa marginalização de Enola pelos irmãos, mas também essa parte tem vida curta.
A história do cinema é vasta em parceiros – geralmente cómicos – a quem o protagonista se confessa. Enola não tem nenhum. Já sabemos: ao contrário, o seu nome quer dizer "alone". Não lhe resta outra solução senão a de se confessar diretamente para a câmara, quebrando a barreira da narrativa e falando-nos diretamente. Millie Bobby Brown, com a sua cara adolescente e rosada, faz com que isso funcione. É divertido por momentos, mas cansativo ao fim de algum tempo.
Tudo neste filme vive à custa da atriz e da personagem. E isso até combina com o lado mártir da irmã mais nova da família Holmes. Só que, lá está, está muito sozinha...
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