O tema dos padres pedófilos é forte, bem sabemos, mas de François Ozon ("Dentro de Casa", "Swimming Pool") esperávamos mais arte do que uma mera denúncia enraizada numa estrutura esquemática dos factos que não permite surgir um conflito dramático para alimentar este "Graças a Deus".

Entenda-se que toda esta crítica à forma não branqueia os atos "monstruosos" cometidos ao longo dos anos pela grande instituição ocidental, a Igreja, ainda que, não obstante o enorme fervor e reação que suscitam as denúncias nos nossos dias, se deva reforçar que a pedofilia não seja algo exclusivo desse meio.

Feitos estes esclarecimentos para evitar equívocos, esta é a história do processo judicial de três homens que se unem para afastar de funções um padre de Lyon cujo passado (e não só) remonta ao desejo pecaminoso, criminal e carnal.

Na origem está uma revolta: a diocese mantém-no na sua posição apesar dos comportamentos impróprios admitidos pelo próprio e reconhecidos pela instituição, o que dá a tudo um ar de impunidade.

Mas o que “Graça a Deus” representa, a atualidade e a emergência de consumo do que aconteceu, faz com que pareça um mero exorcismo dos seus factos, quase como um documento jornalístico.

Nesse aspeto, as comparações com o oscarizado “O Caso Spotlight” não são em vão: tudo se apresenta como se de um foco investigacional se tratasse, mas sem ares detetivescos e nem cozedura para criar suspense ou sequer drama (evidentemente que a ficção funciona em prol de uma dramaturgia, mas que é aqui desvalorizada por causa da força da "mensagem").

De resto, existe um ponto ou outro onde François Ozon parece rasgar a cordialidade castrante com que apresenta esta denúncia e o desenvolvimento manso, para culminar numa insurreição contra um sistema judicial que permite a prescrição destes casos após 20 anos.

“Graças a Deus”, a expressão mal utilizada pelo vilanesco padre (interpretado pelo veterano Bernard Verley) em relação a toda esta teia, durante uma conferência de imprensa, é a prova do cinismo hipócrita e fedendo a falsa moralidade com que muitos se apresentam no posto de difusor da mensagem de Deus.

É esta a urgência que se pretende emanar neste telefilme de fé e é por isso que se perde aqui um grande filme, algo que sabemos que, no caso de François Ozon, não é um milagre mas uma possibilidade. Que, apesar de tudo, tenha vencido o Urso de Prata, o segundo prémio do Festival de Berlim, talvez só se explique nos domínios da fé...

"Graças a Deus": nos cinemas a 12 de dezembro.

Crítica: Hugo Gomes

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