A HISTÓRIA: A história engraçada e emocionante de uma rapariga havaiana solitária e do alienígena fugitivo que a ajuda a recuperar a sua família desfeita.

"Lilo & Stitch": nos cinemas desde 22 de maio.


Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).

É inevitável. A cada novo remake em imagem real lançado pela Disney, repete-se o mesmo ciclo de polémicas, boicotes ridículos e um ruído ensurdecedor vindo de grupos de ódio e internautas que não conseguem lidar com qualquer mudança à norma estabelecida - mesmo que essa norma seja apenas a sua memória infantil altamente romantizada. Escolhas de casting, pequenas alterações da história, entrevistas completamente descontextualizadas... qualquer coisa serve para atacar e espalhar avaliações fraudulentas que denunciam mais sobre quem vota do que sobre as obras em si.

A verdade é que, contra todas as expectativas e preconceitos, muitos destes remakes têm-se revelado surpresas positivas, com alguns a superarem mesmo os originais - que o digam "O Livro da Selva" (2016), "A Pequena Sereia" (2023) ou até mesmo a recente "Branca de Neve". Assim, chegou a vez de "Lilo & Stitch", realizado por Dean Fleischer Camp, mostrar que ainda há espaço para reinterpretações sinceras e emotivas dentro da máquina do Rato Mickey. O cineasta conta com um argumento de Chris Kekaniokalani Bright e Mike Van Waes, numa adaptação que preserva fielmente o espírito do filme original de 2002, apesar de, talvez, jogar demasiado pelo seguro...

O núcleo narrativo mantém-se inalterado: Lilo (Maia Kealoha), uma menina havaiana excêntrica e solitária, cruza-se com Stitch (voz de Chris Sanders), um experimento alienígena em fuga que acaba por se tornar o seu improvável melhor amigo. Juntos, enfrentam ameaças externas e internas, tanto humanas como intergaláticas, enquanto aprendem o verdadeiro significado de "ohana" - "família", não deixando ninguém para trás ou esquecido.

Pessoalmente, as expectativas em redor deste "Lilo & Stitch" eram algo elevadas, muito devido à escolha de Camp como realizador - cuja sensibilidade, criatividade e ternura demonstradas em "Marcel the Shell with Shoes On" (2022) revelavam-se perfeitas para abordar o coração emocional deste remake. E neste aspeto, a aposta resulta: Camp traz um equilíbrio notável entre o lado cómico e mais emotivo, sem nunca perder de vista a importância da conexão entre as personagens principais.

Kealoha é, pura e simplesmente, um achado. A jovem atriz encarna Lilo com uma autenticidade, doçura e energia caótica irresistíveis. Natural frente à câmara, capta a alegria infantil de uma forma que raramente se vê em atores tão novos. Ao seu lado, Sydney Elizebeth Agudong interpreta Nani com uma profundidade emocional comovente - a irmã mais velha que tenta, desesperadamente, manter a família unida após a perda dos pais. A sua interpretação transborda responsabilidade, frustração e amor em igual medida.

O elenco secundário de "Lilo & Stitch" é considerável, mas é difícil não destacar Zach Galifianakis ("A Ressaca") como Dr. Jumba e Billy Magnussen ("Road House") como o Agente Pleakley, funcionando como um alívio cómico eficaz que, embora mais contido - e admitidamente diferente - do que no original animado, mantém o charme peculiar das personagens.

Mas o verdadeiro milagre técnico da obra reside na criação digital de Stitch. Os efeitos visuais são absolutamente deslumbrantes. A criatura alienígena parece palpável, com uma textura perigosamente fofa e realista que desperta de imediato a vontade imensa de o abraçar. Cada expressão facial, orelhas murchas ou olhos de cachorro abandonado carregam consigo uma carga emocional surpreendente. É quase impossível evitar fazer beicinho e conter as lágrimas aquando os momentos de maior solidão e confusão de Stitch perante o mundo humano. O trabalho de voz de Sanders - que já dava vida à personagem no filme original - mantém-se excelente, reforçando a familiaridade e identidade do adorável "monstro azul".

Em termos narrativos, "Lilo & Stitch" não apresenta mudanças drásticas no desenrolar da história. A estrutura é praticamente idêntica, com ligeiras alterações nos detalhes e na execução de certos momentos, de forma a melhor se adaptarem à linguagem da imagem real e às exigências do público moderno. Algumas personagens secundárias foram retiradas ou tiveram as suas funções revistas, mas nada retira a coesão original nem altera o foco no que realmente importa: a relação entre Lilo e Stitch.

Um dos méritos mais comuns destas novas versões é o aprofundamento dos temas universais que já existiam no original. Neste caso, a solidão infantil, a dor do luto, o sentido de pertença, o preconceito perante o diferente e, acima de tudo, o valor da família. No entanto, "Lilo & Stitch" não investe propriamente mais tempo a explorar o vazio na vida de Lilo ou a forma como Stitch preenche esse espaço, repetindo a vasta maioria das cenas originais sem grande imaginação.

Mesmo assim, sendo alguém que vê nos animais de estimação - especialmente cães - uma fonte inesgotável de amor e aprendizagem, não posso deixar de valorizar o ênfase renovado na importância de ter um "amigo com amor incondicional" em casa. O vínculo criado entre as duas personagens é um dos elementos mais puramente humanos que se podem encontrar numa história deste género.

Existe igualmente uma intenção clara de modernizar certos aspetos sem comprometer a essência da narrativa, sendo que "Lilo & Stitch" demonstra carinho evidente pela cultura local, quer através da música, quer através dos cenários, quer ainda no modo como retrata as dinâmicas familiares e comunitárias. É uma celebração da identidade havaiana, com espaço para humor, ternura e momentos de pura estranheza alienígena que fazem parte do charme da obra.

É certo que haverá quem continue a recusar-se a ver este tipo de novas versões, agarrando-se a preconceitos ou convicções infundadas sobre "tradição" ou "lealdade ao original". Mas é precisamente nestes momentos que se torna importante destacar a diferença entre uma crítica honesta - para o bem e para o mal - e uma reação motivada por ódio irracional. Só existe uma maneira de saber se se gosta de um filme ou não: indo ao cinema e dando uma oportunidade genuína a quem deu o seu melhor para entregar uma obra memorável.

Conclusão

"Lilo & Stitch" é um dos remakes em imagem real mais adoráveis e emocionalmente sinceros da Disney até à data. Com interpretações encantadoras - protejam Maia Kealoha a todo o custo - um Stitch incrivelmente fofo e um coração do tamanho do mundo, Dean Fleischer Camp prova que existe espaço para novas versões quando feitas com alma e propósito. A relação humana-alienígena continua a ser o motor de uma história simples, mas profundamente comovente, que nos relembra o verdadeiro significado de "ohana". Não é perfeito, mas tal como os seus protagonistas, é perfeitamente imperfeito. E isso basta.